quarta-feira, 29 de abril de 2009

EU FALO

Eu falo sou machos
E machos em cachos
Macheiras que floram
Na femeocracia
A cria macia
Da prima costela
É ela é ela
Que eu falo poeto
Quando eu falo nela
Eu falo em vocês
E as três primaveras
Se abrem de vez

(Mário Montaut)

FALA RENÉ CHAR

Olhos que acordaram o vento pensando inventar o dia. Em que posso servi-los? Meu nome é olvido.

DO LIVRO SOL

Não me contem quem sou eu
loira luz nos altos ares
em Jesus reluzem mares
que a caneta azul lambeu

(Mário Montaut)

MÍSSEIS DA RESSURREIÇÃO

Vermes que devoraram Cristo
agora luzem:
Mísseis na porta do céu

(Mário Montaut)

QUASE AVE GIRASSOL FOGE DA TELA, em 5 de agosto de 1991

Quase ave Girassol foge da tela, vai ao centro de São Paulo e come as mudas Afrodites no desluarar dos anjos que aguardentes destilaram na “Gargantinha do Sapo” esculpido no teto da Catedral da Sé, enquanto Van Gogh chora entre os mendigos da Liberdade do Japão, assustados com o girassol sobrevoando a janta, os telhados dos palacetes e o engradado de José e suas famílias nas COHABs adventistas...Quase ave Girassol foge da tela e Deus grita: “Peguem ela! Peguem ela!”...A florzona da tempérie cai em minha mesa e eu rezo pra que o medo não devore o supremo prazer do sol , que em giros na pupila me aterrisa em outros medos...gira o sol no bife e na mente que, incrédula, lamenta o pobre garfo a campinar e colher as sementes das paisagens, que o caipira vê nos olhos da Floráguia, pousada na estátua da Liberdade, tonta e cambaleante ao ouvi-la cantar sobre sua cabeça prestes a explodir...e os americanos gritam : “quantos dólares pagaste, hein, Van Gogh? Quantos dólares essa flor deu de propina a Deus para que em teu girassôneo sonhasses que o girassol fugia de tua tela favorita pra pousar nessa relíquia, pedra de fogo já extinto e que agora reacende?” Quem num momento desses se lembraria que uma flor pintada na aquarela de um doido artista, aproveitando-se de um sono inoportuno, se metamorfosearia em floráguia ou águiaflor e alçaria o vôo rumo à estrela americana que brilhava escondida na cabeça da estátua da Liberdade, alimentando e aquecendo o exército de proletários que, até então comandados por Hitler, Collor e Ezra Pound, tem agora um novo comandante: Van Gogh, o rico?...Esse exército fazia cerco à cabeça da Liberdade estatuada que explodiu de alegria ao ouvir o escaldante canto da Floráguia...e Deus berra: “Peguem ela!”, mas Deus morre de amor e agora ele é o defunto lá na cova do ex-Van Gogh, que está mais rico que Onassis, mais pobre que Hitler, mais alegre que o vento ao tragar as pétalas da floráguia que derrama a inteligência que faltava à NASA para completar a trágica estratégia do desarmamento para o Juízo Final... “quantos dólares pagaste? Quanto Deus deu em propina para ver essa ruína na cidade de New York?” E Van Gogh gargalhava ao ver que a multidão se dispersava ao ser atingida por cacos e pétalas entrelaçadas numa cópula cantante de versos delatores que amaldiçoavam a CIA... “VIVA! A flor explodiu, eu renasci e pus o Senhor lá na tumba! Deus lá ora e está faminto de um girassol corajoso...a música que a flor cantava lá na tela era a história desse dia, “O Dia da Verdade Americana”, ó imbecil exército de proletários imperialistas...Vós sois pobres não de dólar, mas são pobres de poesia, de tesão das mil mulheres que ressoam nas meninges dessa estátua que já queda sem cabeça...e a estrela que o girassol não come se enleva e se revela para vós, nova-iorquinos, no límpido céu do santo Manhattan , onde dormem os cacos poetas da cabeça pétrea da ex-estátua e as pétalas e penas da Floráguia que em minha tela era um pobre flor amarela que nem asas tinha...O Manhattan bebe a sabedoria que principia não neste século cretino mas em Arles esquecida e agora a estrela beija a boca da Floráguia que, apaixonadamente , canta a música que soava nos girassôneos de meus neurônios quando ainda idiotas e ignorantes de vossa hipocrisia, ó Beldades americanas de merda, que assustaram até os pés de um estátua sem cabeça que explodiu de alegria ao ouvir a melodia que meu girassol cantava quando, águia e flor, lembrava do meu riso infantil que, lá em meu leito de Arles, eu ouvi em sonho ateu...riso infantil que pôs Deus em coma e deu forças ao Girassol que fugia, pois sabia que deliciaria os pavores da carnificina americana com sua música que não cabia em minha tela adorada que a partir de agora não existe... já não há girassol, nem Deus, nem estátua da Liberdade...e os pedaços de pedra e pétalas se entrelaçaram e orgasmaram o hino delator que fez os comandantes da NASA perderem a razão e a CIA ficar cega de ilusão... Todos pensavam que meu girassol era uma águia...mas uma águia dessa cor...com tantos pólens?”... “OVNI! OVNI no céu de Nova York”, grita a NASA para os russos, que junto a eles prepararam toda a artilharia universal, mas os mísseis se recusavam a atacar o OVNI que os derretia ao descobrir suas primeiras intenções...
“PAI DAS NOSSAS AVES E MARIAS SALVEM AS RAINHAS DE JESUS NO CREDO E O MEDO DOS PÃES VENENOSOS QUE O GIRASSOL MULTIPLICOU E OBRIGOU CRISTO A COMÊ-LOS JUNTO AOS LEPROSOS DE ATLÂNTIDA, AMÉM! AMÉM!AMÉM! CORAGEM, DESUMANOS IRMÃOS ANDRÓIDES CHEIOS DE GRAÇA EM VOSSO VENTRE ABORTA O FRUTO QUE QUERIA A ALELUIA DOS BICOS DAS PENAS DE MATEUS QUE LÁ ESCREVIA O MILAQRE ECLIPSADO QUE OUVIA ONDE SE ESCONDIAM OS URUBUS ENFEITIÇADOS DE MEDO HUMANO EM SUA MAIS PURA COR PAI DOS ANJOS DE CADA DIA LIVRAI-NOS DA MORTE NA HORA DA VIRGEM DIZER AMÉM AO QUE ESTÁ NOS CÉUS E PUTIFICA OS NOMES DOS HERÓIS QUE NO REINO DE MANHATTAN FAZEM A VONTADE DA MORTE DA OBRA PRIMA NA GRAÇA DA VERDADE QUE A CABEÇA DE UMA ESTÁTUA ESCONDEU DAS ESCRITURAS QUANDO O SENHOR ERA CONVOSCO E NÃO NA COVA DO EX-VAN GOGH AGORA RICO DE CORAGEM E POESIA DO ALÉM...AMÉM!AMÉM!AMÉM! “...Assim rezavam os fiéis na Catedral de Nova York, misturando frases de pútridas orações com versos da nova tragédia da qual se afugentaram no templo que evapora de calor no amor de uma flor que se fez águia para ressuscitar verdades abençoadas pelo olhar da estrela no céu da metrópole enfim liberta...e morta de gentios...e VIVA! E VIVA! O Sol que girará amanhã cedo quando das águas do Manhattan sairão os Novos Filhos de uma civilização florida em desordem musical...E Além...E Além...E Além...

Que cara tinhas, Floráguia? Como conseguiste fugir da tela e como ouvias a risonha melodia da estrela sobre a cabeça da estátua da Liberdade que lá do alto enviava o brilho que alimentava e aquecia o exército dos proletários do espírito? E em que pensavas lá na tela, Floráguia? E como teus girassôneos se infiltravam pelos bilhões de neurônios loucos, que na cabeça do dormente Van Gogh sorridente brilhavam mais que todas as constelações do Além? Que culto ultra-católico professavam os fiéis do medo quando de ti se escondiam na Catedral e rezavam aquela louca oração? E porque os mísseis bacteriológicos atômicos neutrônicos adivinhavam que irias derretê-los ao captar suas primeiras vibrações homicidas? Como? Como? Que Papa rezou a missa? Quem era o chefe da máfia e da súcia das NASAs, das Rússias e seus KGBs naquela época? E que estrela era essa, que pousada na cabeça da estátua beijou a Floráguia e se retirou ao céu para ouvir o canto que detonaria a Floráguia e a cabeça da estátua que uniriam seus fragmentos em núpcias que contariam esses segredos? Serão esses os segredos ouvidos pela multidão que, bêbada de lucidez, se precipitou no Manhattan? E que fim levou a civilização dos robóticos japoneses? E quem é o Rei Van Gogh que impera a civilização do Não Medo? E quem é esse Deus que apodrece no sepulcro do ex-Van Gogh e já é devorado pelos corvos que escaparam de uma outra tela do ex-Van Gogh, que agora ri, pois os vê mudando de cor após o lauto manjar e ordena que jamais venham a este novo reino, pois mesmo não sendo mais corvos carregam no estômago a carne podre de um Deus assassino? E quem são e de que forma nascerão os futuros Van Goghinhos que amanhã quando a estrela que Van Gogh não pintou em sua noite estrelada ainda brilhar no céu feliz por ver o sol que aquecerá os corpinhos dos redentores de uma Civilização de Verdade Ouro? Confesso que durante o tumulto não escutei as verdades poéticas que foram lindamente cantadas...Assim, curioso e aflito espero que os novos gênios crianças saiam das águas do santo Manhattan, pois com certeza eles cantarão para mim o Hino da Civilização Desrobotizada...E além...E Além...E Além...

Os quais, os quems, os comos e todos as??? devem ser procuradas nas estrelinhas das entrelinhas do trem que Van Gogh pintou...Essa história se faz por si lúcida e louca e quando minha razão maculou a poesia com interrogações chifrudas, Van Gogh me mandou passear de trem...E Além...E Além... E Além...

(Mário Montaut)

domingo, 26 de abril de 2009

ESTRELA TAL (do cd “Bela Humana Raça”)

No portal dos ventos
Há tempos tantos
Desde então lá ela
A singela
Estrela Tal
Quem dormir a noite de enfim sonhá-la
Há de vislumbrá-la
No mapa astral

Na central dos sonhos
Há sinos lentos
Desde então lá ela
Na mandala
Estrela Tal
Quem tiver a graça de ali amá-la
Colhe o arco-íris
E o laranjal

Deuses tão meninos
Vão lá mamá-la
Estrelar o caldo
De um céu mingau
Sua excelência
Cintilância em prece
Cresce Alteza
Sem final

Na espiral dos anos
Há ventos loucos
Desde então lá ela
Se revela
Estrela Tal
Quem bailar o dia de escutá-la
Se regala à luz
Da estrela primal

(Mário Montaut)

LÁ NA PRAIA (do cd “Bela Humana Raça”)

Lá na praia
A lua e seu clarão
Ela fez
Xixi na minha mão

Lá na praia
A lua e seu clarão
Ela fez
Xixi na minha mão

Ergui a mão ao céu
Em extrema paixão
Então cantei pro mar
Gozei estrelas

Ergui a mão ao céu
Em extrema oração
Abençoei o mar
Gozei estrelas

(Mário Montaut)

PAUL McCARTNEY: DOS ÓCULOS DE MAGRITTE...

Magritte morreu em agosto de 1967, e a viúva, Georgette, vendeu grande parte de seu ateliê nos anos 80. Linda McCartney comprou muitas dessas coisas para dar de presente de Natal a Paul, que começara a pintar em 1983. Ele ficou eufórico: “Foi fabuloso. Eu uso o cavalete. Da primeira vez, fiquei muito intimidado, imensamente. Nem sabia o que colocar na tela, que ganhei com alguns pincéis, a paleta e uma mesinha de pintura com gaveta e prateleira. Tudo de Magritte. Mas aí pensei: ‘O que ele teria desejado? Que eu a usasse. Vá em frente, meu filho. Pinte!’ Também tenho os óculos de Magritte. Recentemente mandei consertá-los porque são tão fabulosos. Quer dizer, eles são ícones. E sabe o que mais? São ótimos quando não consigo ler as letras miúdas”.
Esse é o velho Paul, já além dos 64 e, parece, de um jeitinho bem diferente da canção (“When I’m sixty four”).
Paul McCartney conheceu René Magritte em meio ao furacão cultural que devastava Londres, em 1965. No ano anterior, abrindo a exposição americana do pintor, disse André Breton: “Tudo quanto Magritte fez representa o culminar daquilo que Apolinnaire descreveu um dia como ‘o verdadeiro senso comum’- ou seja, o dos grandes poetas”.
Viajamos por 64, 65, 66, 67, passando pela explosão beatle, pela morte de Breton, pelo nascimento de Sg. Pepper e pelo falecimento de Magritte. E nos anos 60 (honra ao número) é bom lembrar que o compositor russo Tchaikowsky, aos 5 aninhos, e quase um século antes escreveu, em francês, um poeminha surreal intitulado “A velhice de um homem que fala sonhando na idade de 60 anos”. Lembrar também que em 1965, John Lennon e Paul McCartney compuseram “Norwegian wood”, sobre a qual Paul comentou: “Entrei, e ele (John) já tinha este primeiro verso, que era brilhante: ‘I once had a girl, or should I say, she once had me’. Era tudo que ele tinha, não havia título, não havia nada. Eu disse: ‘Ah, bom, ah-ah-ah, pois é… ’ E a canção se compôs sozinha. Tão logo a gente tenha uma grande idéia, elas tendem a se compor sozinhas, desde que a gente saiba como compor canções”.
Em total afinação com essas palavras de Paul, Ricardo Reis segredou a um tal Pessoa, Fernando:
“…Que, quando é alto e régio o pensamento Súbita a frase o busca E o ‘scravo ritmo o serve.”
Confidências Eletivas!
E já sou mui próximo d’1 suspiro de Goethe, quando ouço triste, compondo-se neste canto, rabiscos misteriosos de assinatura cruel, talvez única verdade, (pessoal?) distendendo-se, alongando-se, espalhando-se num balé de incógnitos signos a verterem todo o sangue que a alma anônima não tem.

(Mário Montaut)

Tom La Plus Que Lente Chovendo Na Roseira

...não que Tom, num plágio de anjo, esquecesse Debussy; apenas anotava rapidamente a chuva no cenário dos compassos a serem muito perseguidos pela polícia da música brasileira, detetives que jamais saberão o que é estar, nos sentidos musicais das parcerias inevitáveis, Chovendo Na Roseira; sim, e a chuva fina caía, em plenas graças do sol, pois é assim, é sempre assim, quando chovia um Tom Jobim, naquela onda, sobre uma rosa, e que se cante, La Plus Que Lente.

(Mário Montaut)

TCHAIKOVSKY

O coração tem razões que a própria razão desconhece, dizia Vinícius, citando Pascal. Curioso Tchaikovsky, o mais intenso coração musical, para tantos, virar sinônimo de música fácil, de música piegas, de música velha. Pierre Boulez, numa entrevista recente, descartou Tchaikovsky de vez: “O velho ainda tolero. Tchaikovsky é patético, velho demais”. E a gente, se ilude, dizendo, já não há mais coração. Foi o que ouvi Alceu Valença e Jackson do Pandeiro lhe responderem. O coração é mesmo velho, complexo, e de sua natureza é criar enormes confusões. Tchaikovsky é exemplo eloqüente. Concertos, sinfonias, balés desequilibrados, mas com que clarões de beleza. Algumas das mais indeléveis melodias que a Música conhece, infelizmente, não são para essas delicadezas que não suportam a crueza emocional, nervosa mãe de toda arte, e que, impotentes diante da Beleza (“Terrível”, diria Rilke), se apressam em detonar a forma de certas composições, quase insustentáveis pela própria densidade e excessivo brilho de seus elementos. Tchaikovsky não cabe mesmo em si, mas com muito prazer o mundo o acolhe. Pessoas simples continuarão ensinando Tchaikovsky a Otto Maria Carpeaux, pela eternidade. E eis que bem-vindos chegam a esta conversa, os versos de Eliot: “A tremenda ousadia de um momento de entrega… Que um século de prudência jamais revogará”.

(Mário Montaut)

FALA MILLÔR FERNANDES

A sabedoria, se é que ela existe, serve quando muito para que a gente adivinhe qual vai ser a nossa próxima bobagem.

BRINCOS (para Ana Lee)

O milagre da proximidade que nos ilumina
Vem de tão longe,
E de tão perto, menina
Que eu fico tonto
E fico esperto
Colhendo bem toda essa preciosidade
Ouro do tempo em pó
Na flor do abraço
E cúmplices de velha ciranda
Jóia das ondas que se ouvem na cidade
Olha o presente
Como é bonito:

2, 3 Brincos Do Mar E O Infinito
2, 3 Brincos Do Mar E O Infinito

(Mário Montaut)

FALA T. S. ELIOT

Vai, vai, vai, disse o pássaro: o gênero humano
Não pode suportar tanta realidade.

FALA MILLÔR FERNANDES

A música é a única arte que nos pega desprevenidos.

FALA STRAVINSKY

Roberto Craft- Na composição musical, que é teoria?
Igor Stravinsky- Percepção retrospectiva. A teoria não existe. Pode ser deduzida de certas composições. Ou quando isso não se dá verdadeiramente, ela existe como subproduto, incapaz de criar, ou de justificar a obra.

FALA T. S. ELIOT

A tremenda ousadia de um momento de entrega
Que um século de prudência jamais revogará
Por isso, e por isso apenas, existimos

FALA RENÉ MAGRITTE

Não creio no inconsciente, nem que o mundo se nos apresente como um sonho, de maneira diferente da do sono.

FALA OSCAR WILDE

Um homem que para falar de uma enxada, precisa dizer enxada, merece mais é pegar nela.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

FALA STRAVINSKY

Roberto Craft- Valéry disse: “Podemos construir de maneira ordenada somente por meio de convenções”. Como reconhecemos essas convenções, digamos, nas canções para clarineta e violão de Webern?
Igor Stravinsky- Não reconhecemos. Nas canções de Webern, encontramos um princípio de ordem completamente novo, o qual, a seu tempo, será reconhecido e convencionado. Mas o dito essencialmente clássico de Valéry não prevê que novas convenções possam vir a ser criadas.

ARVORINHA NO CALVÁRIO

Há um jardim de oliveiras
Sede e nuvens de piedade
Céus prometem tempestade
Aos meus sonhos vegetais
Eu tão árvore menina
Abraçada a um homem flor
De Deus nada sei
Mas Jesus
A este amei
E não gosto desses bichos
Que a meus pés
Me chamam cruz

“ARVORINHA NO CALVÁRIO”
De um pintor
Chamado Mário

(Mário Montaut)

LOGARITMO

Contra todo logaritmo festejo
Que diz ótimo ao átimo
Natal número e vozes
Em cristo lago e uma fátima desejo
No quartinho de despejo
Chuva loura morre em discos
Tubos de ensaio de uma música divina
Que o zero cristalino
Nota a nota vai pingar
N´água da fonte inatural dessas memórias
Plena selva decimal
Árvores de outro quintal
E me persegue o logaritmo assassino
Alga em ritmo marinho
Que quer me crucificar
Eu,
A viúva negra?
Não tenho culpa se jesus quando era jovem
Desprezava arquimedes
E provou minhas entranhas
E desde então vomito aranhas
E aranhas
Nas estrelas do inferno
E no mar que eu vou fumar

(Mário Montaut)

O FRASCO ESCRAVAGISTA

Na escrivaninha
Guardo um frasco escravagista
De poção demodivina
E as escravinhas
São menininhas
Que alegrinhas qual turistas
Vêm em gotas na colher
Da vitamina que me alimenta a beleza
No tesão desta prisão
Que os justos querem demolir
É lua cheia
E eu me penteio na janela
Olho o lago
Xingo o cisne
E tomo mais uma colher

(Mário Montaut)

MULHER, ÉS...

Mulher, és...
O mistério da aspirina
Que em pó vai na neblina
Curar as gripes do céu
Que espirra fino
E a garoa cai no lago
Molha os burros assustados
E os cisnes convencidos
Oi! Algarismo
Olha a chuva
Eis o batismo
Outro batismo eu só desejo para os lírios
Que num campo sanguinário
Embebedaram-se de preces
Vidros fumê espelham cisne e o laquê
Dos pelos do cãozinho Adolfo
Que sentadinho num vazinho chuviscário
Espuma desejo rosário
Em cravo que espinha o lago
A arquitetura deste reino é tão concreta
As paredes são de nuvens
E as janelas de maçãs
Já roxeadas pelo aumento de salário
Concedido à empregada
Que cozinha os bois do mar

(Mário Montaut)

CARTA AO FRANCIS

Meu caro amigo, me perdoe, por favor, mas: o Rio precisa de uma Sinfonia? No dia a dia de suas mazelas, e de sua beleza infinita, o Rio se afina com uma Sinfonia? Ouvi a “Sinfonia Do Rio De Janeiro De São Sebastião” uma única vez, pela tv, impressionado com o entusiasmo da performance coral, orquestral, porém, nada que me despertasse o desejo de segunda audição. E daquelas primeiras impressões, palpito: “Corcovado”, “Wave”, “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida”, “Estação Derradeira”, “Sabiá”, “Garota De Ipanema”, “Lygia”, “Samba Do Avião”, é que traduzem a Cidade Maravilhosa; e tenho pelas graças citadas o mesmo fascínio e devoção que sinto por Bach, Debussy, Tchaikowsky, Chopin, Webern, Stravinsky e muitos outros da “Grande Música”.
Sou meio romântico, sabe? Acredito nas musas, e acho que elas nos visitam com maior freqüência quando acumulamos grandes riquezas espirituais numa ampla cultura viva, o que não vejo por aí. Depois, Francis, “fazer” uma Sinfonia não é façanha nenhuma para um músico do seu tamanho. O Tom também fez Sinfonias. E daí? Duvido que todas juntas valham uma de suas primorosas canções. Outro dia, estava o Arrigo Barnabé na TV Cultura de São Paulo, dizendo que não troca um quarteto de Villa-Lobos por toda a música feita no Brasil a partir da década de 60, inclusive a dele. Essas falas me deixam desconcertado, apoplético; eu que não troco mesmo uma das boas do velho Pixinga por tudo o que do Villa ouvi. O próprio Heitor, num rasgo de sinceridade, afirmou ser “Carinhoso” a música mais linda do mundo.
Sei que estas mínimas da minha vasta ignorância, não resistem a análises mais sérias, mas esta cartinha, Francis, não é tão séria, e cheia de erros, bobagens. Adoro escrever levando em conta o percentual de bobagens que habitam o meu pensamento, botando fé em que a liberdade para dizer uma idiotia é quase premissa de real sabedoria.
Penso agora na Tijuca, Baixada Fluminense, Ipanema, Rocinha, Urca, São Conrado, Leblon, e tremo num êxtase cívico que só o Rio me dá. Sinfonia, se é que o gênero ainda vale a pena, rima melhor com Alta Cidadania, o que ainda não temos no Brasil, mas… me perdoe, me perdoe, por favor: o Rio precisa de uma Sinfonia?

(Mário Montaut)

PÉTALAS DE WEBERN

PÉTALAS DE WEBERN
Havia um Jardim Musical. As flores mais diversas, dispostas com maestria, cantavam ininterruptamente na ordem das orquestras, ao aceno imperativo das batutas espalhadas por todo canto. Já estávamos todos cegos pelo brilho dos metais; surdos para os sons que vêm de dentro; desafinados pelo excesso de regência. Foi quando por uma ironia de Indeus nasceu ali a flor Webern. E o tal jardim implodiu. Despetalou-se.
Hoje estamos entre pétalas, em queda livre pelo abismo. Pétalas, pétalas, pétalas. As bachianas, as wagnerianas, as debussyanas pétalas se cruzam, se chocam, se evitam; ecoam no silêncio abissal longe de todo sol. Pétalas, pétalas, pétalas: os mortos nos saúdam. Alguns de nós pelo buraco negro pescam átomos das despetaladas sem a menor esperança de vê-las restituídas numa sonora e meiga flor de jardim. Pétalas, pétalas, pétalas; Capricho de Morte: Isso é Anton Webern.
E não me digam que suas notas são estrelas formando lentamente uma constelação no céu; lampejos num infinito espaço sereno, ou pior: Música de Invenção (essa não!). Conheço bem a História de Webern, que amo. E não me iludo.

(Mário Montaut)

CAYMMI

Mar da Vida. Mar da Morte. Vou ouvindo. Faixa a faixa, duna a duna, onda a onda. Vida. Morte. Vidamor. Que mais poderia apreender daqueles dois velhos discos de vinil, maior herança de minha mãe mortinha há pouco tempo e para sempre viva nestas Praias de Caymmi, salvações da minha infância, adolescência e de todas as transitoriedades da Vida Eterna? Debussy cobiçou o mar absoluto, mas foi Caymmi quem nos revelou algumas dessas praias mais esplendorosas, inconfundíveis, tão reais que até os jovens Beatles caminharam nelas. Lá onde tudo se colhe, tudo se pesca, e tudo é partilhado por todos. Irmão Sol, Irmã Lua e Irmã Morte, de que Francisco de Assis tanto nos falava, melhor se aprendem ali do que em qualquer igreja. Isto Caymmi me ensinou nas santíssimas praias da generosidade infinita. O disco toca. “Sargaço mar”. Trevaluzes num indisfarçável blues valsante, onde já na abertura o rouco negror Caymmico em vocal a Louis Armstrong. Terrível espaço dos pescadores da morte que conduz a Iemanjá. Diante de tanta musicalidade fico a imaginar as infinitudes melódicas que lhe visitaram a alma tão bem encarnada em sua rede. Quanta música entre ele e seu violão. Mas Dorival, santo pescador e conhecedor das nossas fomes espirituais, alimenta-nos apenas com a rara música das essências. O disco. Também tantas clarezas. “A Mãe D’Água e a menininha”. Exemplo máximo da Simples Perfeição. Qualquer ser humano que saiba os acordes básicos do violão faria essa pequena fábula em linguagem totalmente infantil. Mas quando preciso de socorro, não é ao baú das ostensivas relíquias que vou, e sim a ela, a cançãozinha redentora. Salvador Dalí dizia odiar a simplicidade em todas as suas formas, mas noite dessas estava sentado na areia com Dorival, que lhe mostrava estrelas e luzeiros outros de uma noturna praia entre Port-Lligat da Espanha e o Abaeté de Salvador. Dalí, de tão singelamente agraciado, estava trêmulo e molhado, de suor e mar, e segredou algumas coisinhas ao babalorixá Caymmi, que ria muito. Afinal os dois são crentes de um outro Salvador: Jesus, o Divino Garanhão da Judéia. Ou alguém acredita num Cristo sem ereção, e gozo? E Dorival é simplesmente A Ereção, talvez o maior Épico da música baiana contemporânea. Mas o entranhável nele é tanta vida a brotar de tanta morte a brotar de tanta vidamor. A sagração de tudo o que vive e morre. Bebeu aquela ardente lágrima salgada e viu a dor desesperada em sua boca serenar. Por isso Dorival é Salvador. Da Bahia, de Dalí, dos peixes, de Bento, dos coqueirais, de João, das Rosas. E a Salvadora virtude nos oferta um “Vatapá”, receita musical cantarolada até por Cristo no milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. Porque se os milagres nascem do pouco, “com qualquer dez merréis e uma nega, oi, se faz um vatapá”. E Jesus tinha lá suas negas, e brancas, e mestiças. Alguém duvida? Santa Marina de Caymmi me diz ter ficado nervosa quando Gil pintou sua face e borrou ela todinha, mas confessou ter exultado de vê-lo provar ao Brasil que a cultura é viva, e se cabível no ministério, também no canto de seu ministro. Bem, o disco. Acabou? Mãe d’Água voltou com minha mãe menininha em flor.

DIABOLIR

O Diabo não é o pai do rock, e alegria dos homens em comunhão de Diabach, na Tocata em ré menor, só dá fuga para o abismo, onde ao vento Miss You e Gimme Shelter furacão, treme a 5ª Diabeethoven, não bem rock nem mal de sinfonia. Tudo um mesmo diabolir. E que se danem Otto Maria Carpeaux e Júlio Medaglia, esses bons homens de Deus. É natural, no jazzíssimo ancestral, no jazzíssimo ancestral, dar-te a flor do mal. Diabo odeia didjêis sem cabeça para diabolir algum jazz, punks são jóqueis frustrados, e papo de Mano Carioca e Funk Brown é baba morna que não ferve. Diabussy não leva jeito, mas Debussy ao piano, de tão quente soa gelado, como chope nos Alpes. Diabo adora cavalos brancos e napoleões a pé. O Diabo não é o pai do rock, e o Grande Poema Concreto do século XX é Ávida Dollars, o anagrama que Diabreton lançou num pentagrama, pautando aquelas letras em disposições musicais que Augusto, Haroldo de Campos e Décio Pignatari não querem acreditar; e Salvador Dalí morreu pensando nisso, é o que nos revela Léo Gilson Ribeiro, que esteve à cabeceira de sua morte. É natural, no jazzíssimo irreal, no jazzíssimo irreal, dar-te a flor do mal. Satãvivaldi, Diabeatles, Demozart, Diabuarque de Hollanda, Demostones. Diabo quer Ivone Lara. Democaymmi talvez; diabaeté conforme a lua e diabalorixá, se a bela Ivete Sangalo silente e de véu na boca. E Diabogil declarou na entrevista: “verto uma gota de catalisador para a instituição mpb”. Soy Loco Por Ti América e São Paulo 4 Atlético Paranaense 0 neste julho 14 de Lula e Gil na Bastilha em França, reivindicando a guilhotina que a Daslu merece. Diabo odeia o Brasil da CPI. Diabento nunca em Vaticano, já o canto gregoriano, por exemplo… Diabo adora o silêncio. Naquele tempo só era músico quem lia partitura, e de repente todas as turmas do Estácio, de Penny Lane e da Rua Paulo profanaram o Templo da Música Erudita e reviraram seus tesouros secularistas de todos os lados; Legião é o nome da turba, e eles sim, questionaram visceralmente a linguagem da música, não Webern, o suicida radical baleado por engano. O Diabo não é o pai do rock, e onde quer que vá você encontra uma rosa, dinheiro, lua, samba, júpiter e até mesmo um frevo mulher. Só não acha mesmo a realidade. É natural, no jazzíssimo infernal, no jazzíssimo infernal, dar-te a flor do mal.

(Mário Montaut)

A CASA DA DESCONHECIDA

Vou para a Casa da Desconhecida.
Numa sala de 4 espelhos,
Não há razão para uma janela;
No entanto,
Abro,
O olho oval no vidro;
E vejo:
Repentes de luz amarela,
Mouriscas, vermelhuses;
Quase flores de luz confundindo as pétalas do canteiro;
Um mundo inteiro;
Onde venta em todas elas,
Em Fuga,
Ouço ali suas amigas,
E penso:
Não a conhecem, mal a conhecem...
essas tantas moças,
Rondando a casa,
E ela ainda não voltou.

(Mário Montaut)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

MALDITA SEJA A COR DOS SEUS OLHOS

MALDITA SEJA A COR DOS SEUS OLHOS

E num funk alegre e irado, mas contrabalançando a porrada desta letra, meu querido amigo e parceiro Roberto Gava canta esta “Maldita Seja A Cor Dos Seus Olhos”. Regozijo no azul tão quente desta paranóia tropical, só podendo por enquanto postar a letra, com baccios de plena ira jocunda.

O espelho vê o mar
Você vem se maquiar
Maldita Seja A Cor Dos Seus Olhos
Nos navios que vão ao longe


(Mário Montaut)

Beatles e Raul: Sonhando Espertamente o Inconcluível

Beatles e Raul: Sonhando Espertamente o Inconcluível

E pelo jeito, mal tinha saído o “Sgt. Pepper’s” quando Raul (ainda “Raulzito e seus Panteras”) fez uma versão de “Lucy in the Sky with Diamonds”, que gravou em um LP de 1967...A letra dos Beatles é esta:

Lucy in the Sky with Diamonds
(Lennon e McCartney)

Picture yourself in a boat on a river,
With tangerine trees and marmalade skies
Somebody calls you, you answer quite slowly,
A girl with kaleidoscope eyes.
Cellophane flowers of yellow and green,
Towering over your head.
Look for the girl with the sun in her eyes,
And she’s gone.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Follow her down to a bridge by a fountain
Where rocking horse people eat marshmellow pies,
Everyone smiles as you drift past the flowers,
That grow so incredibly high.
Newspaper taxis appear on the shore, waiting to take you away.
Climb in the back with your head in the clouds,
And you’re gone.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Picture yourself on a train in a station,
With plasticine porters with looking glass ties,
Suddenly someone is there at the turnstyle,
The girl with the Kaleidoscope eyes.

O caos hipercriativo da contracultura nas cabeças de John e Paul: Infância, árvores de tangerina, céus de marmelada, LSD, uma garota com olhos de caleidoscópio, táxis de jornal, flores de celofane, um provável desenho de Julian Lennon, aos cinco aninhos, com o mesmo título da obra, fontes, pontes, Lewis Carroll...Raul canta diferente:

Você Ainda Pode Sonhar
(Raul Seixas-Lennon-McCartney)

Pense num dia com gosto de infância
Sem muita importância procure lembrar
Você por certo vai sentir saudades
Fechando os olhos verá
Doces meninas dançando ao luar
Outras canções de amor
Mil violinos e um cheiro de flores no ar

Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar

Feche seus olhos bem profundamente
Não queira acordar procure dormir
Faça uma força você não está velho demais
Pra voltar a sorrir
Passe voando por cima do mar
Para a ilha rever
Vá saltitando sorrindo a todos que vê

Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar

Bela sacada do Seixas. Ele apenas tenta nos abrir os canais do Sonho. Convida-nos à Infância; esse tempo, esse lugar. Imagens, imagens mesmo, só as meninas dançando ao luar, os mil violinos, um vôo por cima do mar, uma ilha a rever. O resto é convite. Que cada um faça a sua viagem e veja, ouça, o que puder. Sugestão Libertária.

Já nos versos de John e Paul, mais de John, parece (e curioso, isso), as imagens universais, arquetípicas, lisérgicas, não deixam de se constituir, pela excelência das intenções, numa poética totalitária. A universalidade imagética vira despotismo num sonho onde você já não pode sonhar. Sonham os Beatles. Você se deleita acompanhando os viajantes.

Agora fico pensando. Na levada musical beatle, a tirania de tantas imagens impostas me liberta pelo delicioso matrimônio daquelas palavrinhas caindo tão bem na música. Felizmente subjugado, prefiro ouvir os Beatles em pura contemplação, e por algum mistério, talvez, não consiga viver intensamente aquela proposta de liberdade um pouquinho flácida do Raul. Talvez. Mas a encompridar adentraríamos questões infinitamente sem resposta. Prefiro espiar Borges e Pessoa debruçados na canção, sonhando espertamente o inconcluível.

(Mário Montaut)

terça-feira, 21 de abril de 2009

JEAN MILLÔR RIMBAUD FERNANDES

Embora sem causar nenhum grande “estrago no jardim da beleza”, parece que Millôr Fernandes, tal o Príncipe do “Conto” de Rimbaud, também deu milhares de trepadas. Reza a lenda que certa vez Tom Jobim lhe disse: “Cada canção que eu fiz, Millôr, foi uma garota que eu não comi”. E não menos queixoso(rs), Millôr teria lhe respondido: “Puxa Tom, e cada garota que eu comi foi uma canção que eu não fiz”(rsrs). Para além destas eróticas coincidências, tudo leva a crer que Millôr também se encontrou com o Gênio deste “Conto”, e por caminhos vertiginosamente opostos, tirou conclusão semelhante, formulada de modo lapidar.

CONTO

Um Príncipe se envergonhava porque sempre se dedicava apenas à perfeição das generosidades vulgares. Ele previa espantosas revoluções do amor, e suspeitava suas mulheres de serem capazes de algo melhor que uma tolerância ornada de céu e de luxo. Queria ver a verdade, a hora do desejo e da satisfação essenciais. Fosse isto ou não uma aberração de piedade, ele o quis. Pelo menos, possuía um poder humano bastante largo.

Todas as mulheres que o tinham conhecido foram assassinadas. Que estrago no jardim da beleza! Debaixo do sabre, elas o abençoaram. Ele não encomendou novas mulheres. – As mulheres reapareceram.

Matou todos aqueles que o seguiam, após a caça ou as libações. – Todos o seguiam.

Divertiu-se estrangulando os animais de luxo. Mandou incendiar os palácios. Arremessava-se contra as pessoas e as esquartejava. – A multidão, os telhados de ouro, os belos animais existiam ainda.

Pode alguém extasiar-se na destruição, rejuvenescer-se pela crueldade! O povo não murmurou. Ninguém ofereceu o concurso de suas vistas.

Uma noite, ele galopava orgulhosamente. Um Gênio apareceu, de uma beleza inefável, inconfessável mesmo. De sua fisionomia e de seu aspecto sobressaíam a promessa de um amor múltiplo e complexo! de uma felicidade indizível, insuportável mesmo! O Príncipe e o Gênio se aniquilaram provavelmente na saúde essencial. Porque não morreriam eles disto? Juntos, então, eles morreram.

Mas esse Príncipe faleceu, em seu palácio, numa idade comum. O Príncipe era o Gênio. O Gênio era o Príncipe.

Falta ao nosso desejo a música erudita.

(Jean-Arthur Rimbaud)

“A sabedoria, se é que ela existe, serve quando muito para que a gente adivinhe qual vai ser a nossa próxima bobagem.”

(Millôr Fernandes)


(Mário Montaut)

domingo, 19 de abril de 2009

UM BOLO NO JUÍZO

Aquela fatia
de um bolo de chuvas
com o sereno açúcar das trevas mais puras,
confundia o paladar,
coibia o Juízo Final,
adiado pelos calafrios, risadas...
Indeus foi confeiteiro por 1 dia;
mas a conversa se animou pr’além das 1002 noites,
e ainda vai dar o que cantar.

(Mário Montaut)

BELA HUMANA RAÇA

...Carne céu costela vida estala e se constela no barraco da favela e arranha-céu

(Mário Montaut)

(do cd “Bela Humana Raça”-selo Dabliú)

DIVINO SÓ

...Invento o fogo de infernos reis
Benzo a bonança e cem mil vulcões
Dragões e corvos na minha mão

(Mário Montaut)

(do cd “Bela Humana Raça”-selo Dabliú)

CHORO PARA TOM(Walter Garcia)

CHORO PARA TOM
(Uma canção de Walter Garcia)

EXTRAZUL

O estruturalismo é inevitável; de certo modo. Canção é estrutura que se habite, e nela adentro, vivenciando “restos de mar azul”, “sombra de céu azul”, “boca a espumar limo e areia”, “guimbas de mar azul”, “laje de céu ruindo azul”. Habito as harmonias, os perigos, a bela concisão melódica, a saudade, o presente fértil do nostálgico azul jobiniano: Político, estético, filosófico. Não só de sombra. Também de aura:: extrazul, indecifrável, e já sem rigor estrutural no canto ouço, indefinível qual o Rio de Paulinho Da Viola, o extrazul::: perfeita, eterna, misticamente habitável.

“A Música é para levar a Deus”, afirma Tom Jobim. “Poesia é voar fora da asa”, verseja Manoel De Barros. “Fica faltando a melodia”, diria Luiz Tatit. (E a voz de Ana Lee, palpito eu).

(Mário Montaut)

CONVERSA COM MÁRIO MONTAUT

Para quem não sabe, Maria Estela Guedes é poeta, ensaísta, crítica de arte, conferencista, e com seus infinitos talentos, dirige em Portugal o site TriploV, uma das maiores realizações culturais que conheço. Ontem estivemos a conversar sobre Herberto Helder. Eis a conversa, com beijos do Mário a todos.

Maria Estela Guedes - Mário, explica-me como descobriste o poeta Herberto Helder, aí na grande ebulição de São Paulo. Estão muitos livros dele publicados no Brasil, ele é conhecido na tua roda de artistas?

Mário Montaut - Ouvi aquele nome: Herberto Helder. Nome que muito me agradou, suscitando vigor e doçura. Neste exato momento revivo tais signos, e a revivência confirma as primeiras impressões. Lembro de Rimbaud, de André Breton. "Uma Temporada No Inferno & Iluminações" e "Arcano 17" se encontraram comigo muito antes de eu começar a lê-los. Magnetismo Puro. Conhecia alguns textos de Herberto Helder, mas para o mergulho real em sua poesia foi decisivo o evento realizado em agosto de 2005 em São Paulo, com suas preciosas reflexões e a inspiradíssima declamação de Cláudio Willer. Tudo isso se deu pouco antes do lançamento de "Ou O Poema Contínuo", pela editora "A Girafa". Desejo que esse músico poeta venha a ser melhor conhecido entre os artistas de São Paulo.

MEG - O que te agrada nele?

Mário Montaut - O rigor, a inspiração, a violência, a delicadeza, o ímpeto de tantos pensamentos só concebíveis e realizáveis em Grande Música.

MEG - És compositor, cantor e poeta. Os teus CDs, publicados aí no Brasil, encantam-me, porque justamente fazes uma música encantatória, às vezes doce como o mel, que por isso não deixa de ter relações com Herberto Helder. Outras similaridades existem, por exemplo na tendência para a constante subversão. De onde vos vem a inspiração? Daquilo que vos incomoda, no sistema social, externo, ou de dentro, das vossas próprias paixões?

MM - Estela, suas palavras me contentam e me remetem ao lúdico, acertando em cheio. Com tudo o que vivo, eu gosto é de brincar, de "fazer arte", essa coisa de moleque. Então, acho que sou muito mais "arteiro" que artista(rs). O imprescindível mesmo, para mim, é continuar "fazendo arte", e arcar com todas as consequências dessa arte irrefreável.

MEG - A poesia de HH é dominada pelo canto, pela música, ele fala muito do sopro, põe o canto acima de tudo na sua escala de importâncias. Ele chega a dizer que morreria pela música, no poema que te deixo para exemplo. Qual é a natureza dessa música? Estamos a falar de versos, com ou sem métrica, ou de assunto totalmente diverso? Achas o poema facilmente musicável? Tu, que és músico, diz-me que música é essa de que fala Herberto Helder.

Ninguém tem mais peso que o seu canto.
A lua agarra-o pela raiz, arranca-o.
Deixa um grito que embriaga, deixa sangue na boca.
Que seja a demonia: - a arte mais forte de morrer pela música,
pela memória.

MM- "Palavra, não de fazer literatura, palavra, mas de habitar, fundo, o coração do pensamento, palavra". Esses versos da canção "Uma Palavra", de Chico Buarque De Holanda, nos perguntam: E poderia o pensamento de Herberto Helder não cantar? Obrigado pelo poema, Estela, e por ora só posso lhe dizer que ele é música plena. Beijos do Mário.

JOHN LENNON E AS TENTAÇÕES DA LUZ

As tentações da luz estão aí a nos rondar. Fazem sons e nos confundem. Richard Wagner nos deu muita luz. Luciferiana, como de outras fontes, luciferiana a música de Keith Richards e Mick Jagger. Mesmo Bach tomou luz em excesso. Se na Tocata E Fuga Em Ré Menor foi o “Quase-Lúcifer”, em alguns instantes dos Concertos De Brandemburgo nos deu de beber, como diria Walter Franco, mais de um segundo de Jesus Cristo. A luz e suas infinitas gradações teve excelente apreensão na mística de Jacob Boehme, nas cores de Vincent Van Gogh e na profética película de Martin Scorcese, “A Última Tentação De Cristo”. John Lennon não foi um gênio musical, como o foram Tom Jobim e Paul McCartney. Foi um místico atormentado pelos constantes assédios da luz. E muitas vezes sucumbiu a ela com tremenda musicalidade. Seja quando em “Help”, Gaia estremeceu de júbilo ao amoroso clamor de socorro, ou quando pós Arthur Janov, saltou naquele perfeito giro do grito primal que iluminou o fundo do nosso pânico (“well, well, well”), Lennon, mais do que músico, foi um homem atento aos urgentes apelos da suprema luz, e mais de uma vez cedeu a ela. Isso não é pouco; hão de concordar os maestros. Produziu centelhas que bem podem nos elevar a altares mui acima do juízo final. “Instant Karma” que o cante, na violência sublime daquela prova de luz: “well, we all shine on, like the moon, like the stars and the sun”.

(Mário Montaut)

DULCINÉIA AMORES

DULCINÉIA AMORES
(Brau Mendonça-Mário Montaut)

Canto a reza à velha maneira
se alguém na trova esqueceu
Dulcinéia
eu, Dulcinéia

Cada lembrança no solo sagrado
por mim se faz escutar
eia! eia!
quanto moinho

Sou Dulcinéia Amores
sempre à minha janela
e vou por outro caminho
quando me ponho a cantar

Quantos amores no fim dessa guerra
hão de saber quem sou eu?
Dulcinéia
eu, Dulcinéia

Vida esquecida no fio da meada
o tempo há de lembrar
venha! venha!
velho menino

Sou Dulcinéia Amores
sempre à minha janela
e enxergo mais um pouquinho
quando me ponho a cantar

CÉU DE HOJE

O vértice de seus lábios espoca uma essência de bolhas, qualquer que seja o brinde. E seus olhos pensativos, degustativos...Enerva-me a flor da razão a consubstância de atos de tal brilho, perdidos no trivial por mera apatia histórica; não fosse a ignorância das horas, fonte enaltecedora da memória real, quando o calor da cena perdura, não importa a invernal quietude dos lábios de mulher num certo dia, em dado instante, vestisse aquela taça a nuvem que melhor apeteça ao céu de hoje.

(Mário Montaut)

BANQUETE

abutres nadam no trigal de nervos olhos no céu cinza em desovas ovas ovas aos avôs e às avós...
e vós que ouvis o canto ovil do coração do furacão que vira a mesa do banquete na piscina...
abutres nadam no trigal de nervos olhos no céu cinza em desovas ovas ovas aos avôs e às avós...
e vós que ouvis o canto ovil do coração do furacão que canta a história do banquete na piscina...
e Vivas!!! E Vivas!!! E Vivas!!!
aos Convivas
que ali à beira da piscina em tempestade triunfal serão julgados pelo crime réu a réu...
Ah! sim...
não façam mais banquete à beira da piscina em dia assim.
e olhem:
vêm lá do céu
o Dr. Trigoréu e o Dr. Vinhoréu e o Dr. Raioréu e o Dr. Ventoréu e o Dr. Caviaréu e o Dr. Nervoréu e o Dr. Olhoréu e o Dr. Cinzaréu e o Dr. Ovaréu e o Dr. Licoréu e o Dr. Aguaréu e o Dr. Lomboréu e o Dr. Taçaréu e o Dr. Garforéu e o Dr. Molhoréu e o Dr. Corvoréu e o Dr. Uvaréu...


(Mário Montaut)

CLARÕES

Na galeria
Cada clarão
É como um dia
Depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão

Uma passagem subterrânea une todos os perfumes
A mulher que lá entrou um dia
Tornou-se tão brilhante que não a vi
Com estes olhos que a mim mesmo viram arder
Tinha já a idade que hoje tenho
E vigiava-me vigiava o meu pensamento como um guarda-noturno numa fábrica sem fim

E como tudo já foi dito
Querido Augusto De Campos
Apenas o acompanho
Nesta aventura
Com Chico Buarque
E André Breton

Antes a vida
As vitrines
As atitudes espectrais
As catacumbas

(Mário Montaut)

MÚSICA DE NATAL

Ó matemáticas severas, não vos esqueci desde que vossas sábias lições, mais doces que o mel, infiltraram-se em meu coração, qual onda refrescante. Aspirava instintivamente, desde meu nascimento, a beber em vossa fonte mais antiga que o Sol, e continuo ainda a pisar o átrio sagrado de vosso templo solene, eu, o mais fiel de vossos iniciados.
Lautréamont

Não acredito que a matemática seja o resultado de uma atividade criativa da parte das pessoas, que tenha sido inventada. Ela se mantém coesa com uma integridade que ultrapassa as capacidades da curta história da consciência humana...As cariadas teorias matemáticas não passam de impressões de viajantes que regressaram de uma terra distante...A paisagem matemática foi extensamente percorrida, mapeada, vivenciada e utilizada no mundo biológico muito antes que a espécie humana tivesse evoluído. Qual é o papel da matemática na coevolução da alma do mundo e da consciência humana?
Ralph Abraham

A raça humana é
uma semana
do trabalho de Deus.
Gilberto Gil

Essas palavras encontram Johann Sebastian Bach, que em “Jesus Alegria Dos Homens”, de 3 notinhas em 3 notinhas, vai aclarando, entre outras coisas, o Mistério Da Santíssima Trindade, que graças a Vinícius de Moraes pode ser cantado também neste natal.

(M.M.)

POEMAS DA ALMA DO MUNDO

Há uma parte da realidade que tem sido chamada de dimensão do valor escuro, e a cujo respeito nada pode ser conhecido, em absoluto. O caos está ali, em algum lugar. A tarefa do vir-a-ser humano, da matemática e das nossas ferramentas intelectuais é projetar luz nessa dimensão. Isso nos dá um sentido de descoberta e de significação, mas nunca se poderá reduzir essa dimensão a conclusões absolutas. Finalmente, há um domínio na dimensão do valor escuro, que é um domínio de valor escuro em princípio.
Terence McKenna


Há em todo grande poeta um núcleo noturno inquebrantável.
André Breton

(M.M.)

JARDINS FLORÍBULOS

JARDINS FLORÍBULOS
(letra de uma canção a ser gravada)

Los los los los
Jardins floríbulos
Dos negros ídolos
E verdes óvulos
Dois doidos índios apaixonados
Há séculos e séculos

Los los los los
Jardins floríbulos
Céu e oráculos
Sol e tentáculos
Dois doidos índios apaixonados
Há séculos e séculos

Doidos índios
Idos os dois
Los ioiôs
De dios
E adios
E as crioulas
E as lantejoulas
E as maçãs do amor
E o mar

(Mário Montaut)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

FLORENÇA

O livre arbítrio
Das pétalas e músculos,
Para o bem de uma cidade.
Isso me contam essas moças...
Quando seus filhos construiram
Pontes,
Catedrais,
Jardins suspensos.
Um mundo para os lábios.
Um mundo para os lábios.
Insensatez?
Num beijo a vida assim se fez.

(Mário Montaut)

BRINCOS

BRINCOS DO MAR E O INFINITO
(Mário Montaut, Floriano Martins e Ana Lee)

O mar não usava brincos nem era o Mário infinito ainda(rs). O Cláudio Willer me apresentou ao Floriano Martins, ali no Conjunto Nacional da Avenida Paulista. Lançamento do livro "Cinzas do Sol", no ano de 2001. Nesse encontro estavam também Graco Braz Peixoto, Mona Gadelha e Augusto Contador Borges, recitando poemas de Floriano. Foi o início de nossa amizade e de nossas parcerias, que logo engendraram sete composições inspiradas nos temas da peça "Sombras Raptadas", quatro delas incluídas neste disco. Vieram outras canções, novas parcerias e amizades. Ana Lee, sempre presente e cada vez mais envolvida na trama, cantou grande parte das músicas, fez vários duos comigo. Juntos, Ana e eu musicamos a letra "De todo coração", que o Floriano escreveu para nós. E tantas aventuras acontecendo nesse tempo. A feitura das canções, as infinitas horas de estúdio, as ilustrações e colagens do encarte , a constante troca de idéias, por e-mails, sempre, e na cidade de São Paulo, onde Floriano, Ana e eu tivemos a alegria de nos perder em horas de papo, reflexões, cinemas, teatros, tudo regado com bom vinho e excelente humor. Por intermédio do Floriano, tive a felicidade de compor com a Estela, a Rosa Alice e a Helena, essas poetas portuguesas que me deram tanto prazer. Por ora não conseguiria mesmo falar num outro tom, que não o da amizade, cumplicidade e paixão, que resultaram neste álbum. “2, 3 BRINCOS DO MAR E O INFINITO...” Em ciranda emergiram as jóias brincando na superfície d´água, marinha, e no horizonte o mar...e o infinito. Roberto Gava, Regina Hasegawa, Maria Estela Guedes, Rosa Alice Branco, Helena Vasconcelos, Brau Mendonça, Ozias Stafuzza e muitos, muitos se juntaram ao trio que assina a obra. Delicada tal o buraquinho que a menina faz na orelha para estrear o primeiro brinco. Impetuosa qual o mar. Cristalina aqui, obscura ali. Política e esteticamente incorreta, às vezes. Cânticos. Da paixão e outras graças. Por tudo isso e muito mais um disco quase genial(rs). E a razão é toda do Ozias ao dizer que só acredita no Mário infinito quando eu der um show de brincos. Brinco de beijos!!!

(Mário Montaut)

DE FERRO

Na Linha Férri o negror desaglutina. Albumina? Melanina? Memória das 304 cruzes ao longo do asfalto cadáver, por onde locomotivas, casais e uirapurus; alegria nos atropelamentos de trem é estatística PONTO 1, bem como o futebol, no além-gramado. Férri, era neto da minha loucura, mas dizia-se espanhol, catalão ou napolitano; não me lembro bem noites de insônia ou cápsulas de vitamina azul: impotência da razão – deu-me o cargo de vigia, nas manobras da contravenção das linhas; Bisturi, meu apelido – em código espanhol? Nicaraguês; só sei-me em ondas, de vulcões superlatinos – SUPER HERÓI BRAVO, REDONDO DE SOL E BRANCO. Com muitas partes do corpo queimadas: registro de óbitos vesuvianos; uma lava pega o trem, o tempo não é linha reta; bombástico como cabeça preste-explódi, num giro de doer a nuca encontro relógios e algumas aves, ponteiras da estação, pousadas em pedras de atrito: foguinhos leves – brandas refeições das águas (elas também comem, rios, praias, enfim águas de toda cor banqueteiam no trem levando tanques, cântaros, potes de flagelação e rêgo, para o bem de todos os mortos em flores: FÊRRO VÉIO FÉRRO VIO, e Rio bastante bêbado, corro minha substância para longe das plataformas do início, e desanuveio:: Nuvem em Banda, Cigarras De Fole, Garceons Prateados e outros instrumentos de restaurante; os homenageados desembarcam. São 15:05 hrs. Prova de minha Lucidez Relativa – Ver Horas, embora Perdida Mulher.

(Mário Montaut)

DA LÍNGUA DO ESPÍRITO SANTO

Hoje ninguém mais pega a mesa para um simples sabão;
Ninguém mais ergue a pia para uma simples maionese.
Hoje,
Hoje mais...
Que gente em compotas as coisas reclamam,
Das embalagens de vidro sejam de plástico e seus sustentáculos mobiliários
Se de madeira ou mármore, as pessoas se acozinham ou embanheiram;
Não mais almoço banho mãos lábios da pura ritualística apropriada,
Onde luzes erram nos tetos,
Sejam de lâmpadas, ou frio vidrilho de reflexos amantes
Hoje não mais postes se consideram os lúciferes do mundo,
Lúcidos cimentos são as estruturas prediais,
Asfaltadas águas borbulhando as revoltas submersas pois,
Não mais, nem menos Hoge de jentes.
Fluxo extraordinário das sensações contradizendo o outdoor,
E até mesmo os Bancos Hellman´s ou Lux de escarola entre doze verduras, dito isto em manjar de estrelas,
E mesmo as negras são opacidades translúcidas dando muita risada à luz de espadas, punhais de esfaquear suflês,
E os pobres garfos da cobertura...
Ai edifícios
Que se na base dão ganchos e colher,
Há que saborearmos ex-mundos, ultra-mundos Mundos Mundos
Com a força aureolar,
Genicultora,
Próspera,
Doce,
Áspera,
Salivante,
Da língua do Espírito Santo.

(Mário Montaut)

SABÃO DE CÔCO

Sabão de côco tem um pouco da Bahia
Bem como os pentes têm nos dentes guilhotinas
Tudo o que digo e que não ligo à razão
Tem mais verdades do que a Bíblia e o Alcorão.

(Mário Montaut)

VAI PASSAR

VAI PASSAR
(Chico Buarque e Francis Hime)

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...........................................................................
Dormia a nossa pátria mãe tão distraídasem perceber que era subtraídaEm tenebrosas transaçõesSeus filhos erravam cegos pelo continente,levavam pedras feito penitentesErguendo estranhas catedraisE um dia, afinal, tinham o direito a uma alegria fugazUma ofegante epidemia que se chamava carnaval,o carnaval, o carnavalVai passar...

Chico, mas que fome de Prometeu, e que terrível Jocasta Adormecida, sonhando sóis e luas, a colidirem, a eclipsarem, na cegueira de tantos Édipos errantes da Brasília grega e mascarada de mil carnavais; e que perfídias, que onírico apedrejamento nas tão poucas linhas de sua Grécia Brasilis, onde já sambo e ofego desde o Natal.

(Mário Montaut)

EU CHEGUEI LÁ (A Razão De Vinícius)

Eu cheguei lá, mas me esqueci, do que ia dizer, do que ia falar, eu cheguei lá, eu cheguei lá, Maria Amélia, eu passei toda a noite sonhando, Maria Amélia, eu passei toda a noite pensando, lindas palavras que eu preparei pra lhe dizer, mas me esqueci, mas me esqueci...

(Dorival Caymmi)

Vinícius De Moraes falou que as grandes palavras da Poesia ocultam verdades que descobrimos mesmo é num sambinha. Neste maravilhoso esquecimento de Dorival a razão de Vinícius. As lindas palavras de amor. Shakespeare lembrou. Rilke lembrou. Dante lembrou. Vinícius lembrou. Caymmi foi sábio o bastante para esquecer. E quando esquece, como a gente lembra...



(Mário Montaut)

A CANÇÃO DA FEMEOCRACIA

Eu falo sou machos
E machos em cachos
Macheiras que floram
Na femeocracia
A cria macia
Da prima costela
É ela é ela
Que eu falo poeto
Quando eu falo nela
Eu falo em vocês
E as três primaveras
Se abrem de vez

(Mário Montaut)

PÉS, PIANO E JAZZ

Sonhei que os pés de uma mulher, tocavam ao teclado de um piano, um jazz delicioso. Ao acordar lembrei-me do clima daquela música que há de soar em mim pela eternidade, embora não consiga trazê-la para esta memória cotidiana. Fiz então, uma música, ao violão, tentando resgatar algo dessa vivência. Depois, inspirado no sonho, escrevi para a canção, esta letra:


PÉS, PIANO E JAZZ

Teus lindos pés
Ao piano
Me levam
Em suave jazz
No teclado
A teus pés

Teus lindos pés
Ao piano
Me levam
Em suave jazz
No teclado
A teus pés

Tão lindos dedos de teus pés
Em flor
De jaz
Piano
E sonho
Louco
Indo ao céu

Tão lindos dedos de teus pés
Na flor
Do jazz
Piano
E sonho
Louco
Indo ao céu

Flores e jazz pés e piano me levam...
Flores e jazz pés e piano me levam...
(Mário Montaut)

(Mário Montaut)

A composição ficou muito bonita, embora essa temática não tenha lá aquela cara de canção. Parece outra coisa(rs). Mas acho que rola. Num vídeo, em DVD, imagino cenas bastante propícias. Creio que fique interessante. Beijos do Mário a todos!!!

CASTELO

CASTELO
(Mário Montaut)
Do álbum “Bela Humana Raça”

Belo...
o castelo amor dentro da gente
mente amora dente sol poente
tempo vira espaço a transgirar

Vai sim...
vicking céu safira espada guerra
erra e cirandeia toda era
vida jorra já no aqui lutar

Passam...
nuvens clãs atlântidas celestiais
Bailam...
mães do mar cantáridas azuis demais

Maré...
pescadores bares cais altares
praia odores mares sais luares
branca areia alegre navegar

Raio...
Que transcende a flor da primavera
tranquiliza o caos na infinda espera
vem bem-vinda ponte sol-lunar

Brilham...
nautilus florido arpão de ned land
Ventam...
sé moscou norwegian wood em id land

Hum...Vida!
Porque te quero mais
Hum...Vida!
Porque te quero mais

Tudo à tona
Já detona
Dona Vida quero mais e mais

Maratona
Brincalhona
Dona vida quero mais e mais

Toda pedra, todo brilho
nesse garimpeiro tanta maravilha
toda ilha, todo peixe
nesse marinheiro tanta maravilha

Astros...
passam rastros ficam reticências
sons neons vampiras consciências
sugam sangue azul clarões do mar

Asas...
brisas madrigais pelas janelas
puros moços raras moças belas
doce cântico inocência amar

(Mário Montaut)

AS GRAÇAS DE PICASSO

As meninas de Picasso me mostram a língua selva de amoras,
e arregalam o olho mediterrâneo.
Sopram um hálito vitória-régia,
e cirandam baías da Grécia cantando finos corais e cristais de agudo sereno.
As mulheres de Picasso mascarando a beleza,
me escutam com a orelha em concha que busquei no mais profundo dos mares.
Acolhem estrelas de Chopin na suspeita feiúra,
e ocultam o anel que enlouquece ao primeiro vislumbre.
As moças de Picasso conhecem o fogo da solidão,
a lágrima prenhe da música que não soou.
E gargalhando azuis de Rafael,
consolam Helena,
troçam do céu.

(Mário Montaut)

A MÃO FELIZ

“Palavra, feita de luz mais que de vento, palavra” (Chico Buarque- verso da canção “Uma Palavra”, no cd gravado em 1994).

“O vento lúcido traz-me o perfume perdido da vida” (André Breton- verso do poema “Fata Morgana”, concluído em Marselha, em dezembro de 1940).

Chico Buarque e André Breton nos diálogos da palavra com a luz e o vento pelo tempo. Com certeza, versos escritos pela mão feliz. “A Mão Feliz”? Não enxergava a mão feliz, até que centelha dessa realidade me fosse dada já no título da obra de René Magritte, que sem dúvida, mais que título, é poema, e com a imagem do piano aberto e envolvido pela aliança amorosa, compõe naquele teclado, a música das esferas, da qual muitos duvidam, mas eu juro que ouço. Quando ao milagre, a mente cala, e o ser inteiro agradece.

(Mário Montaut)

Paul McCartney & Chico Buarque: sonhos sonhos são

Alguns achados que dariam, se não teses, no mínimo deliciosos papos em inteligentes cervejadas, ou ao contrário, se preferirem. Caetano Veloso, a certa altura de seu livro Verdade Tropical, nos diz que alguns artistas estão fixados à infância. Estes fariam os trabalhos mais profundos e, em certos casos, mais monocórdios. Outros, segundo ele, estariam indelevelmente marcados pela adolescência, e realizariam obras mais superficiais e de maior riqueza temática.

No imaginativo jogo proposto por Caetano, lanço como exemplos gigantescos de artistas intensamente vinculados à infância os Beatles, mais especificamente John Lennon e Paul McCartney, e Chico Buarque de Hollanda. Canções como “The Fool on the Hill”, “Maninha”, “Strawberry Fields Forever”, “João e Maria”, a versão dos Saltimbancos, “Penny Lane”… são tantas e tantas criações arquetípicas, fabulosas! Tem coisa que parece música de criança mesmo. Lembro do Caetano dizendo que “A Banda” parecia “obra de um moleque”, se comparada a “obras primas” como “Pedro Pedreiro” e “Sonho de um Carnaval”. Compreendo-o perfeitamente, mas bem lá dentro sinto-me incapaz de conceber tal antítese. “A Banda” é coisa de moleque mesmo. Até a Clarice Lispector achava isso, mas sob outros pontos de vista e ouvido.

Agora, que essa questão das idades artísticas dá um pano pra manga, dá. Chico, John e Paul fizeram essas canções na juventude e maturidade. E aos 16 anos Paul McCartney martelando o velho piano de sua casa paterna cantarolou a melodia de “When I’m Sixty Four”, que o Paul disse tratar-se de uma música inspirada pelo medo da velhice. E o romântico Tchaikowsky escreveu, aos seis anos, em francês, um poema intitulado “A Velhice de um homem que fala sonhando na idade de 60 anos”. Essa dança de idades no tempo nos remete fortemente a Jorge Luis Borges, o bruxo Borges, cujo conto “O Imortal”, pode ter sido uma das fontes de inspiração da bela “O Homem Velho”, de Caetano, que homenageava Chico que, então pelos 40, já havia feito “O Velho” aos 20 anos, e… um amigo da Net disse que “Penny Lane” também era sobre o medo da velhice.

As analogias entre Chico e Paul vão longe, e em aspectos que podem passar despercebidos. São dois dos maiores melodistas e letristas da canção, em todos os tempos. Chico, dono de uma erudição considerável, em instante algum permite que esta turve sua obra, cristalina, concisa, sem adereços desnecessários, efeitos que ressaltem da poética ou da música em detrimento da composição no todo. Paul, sempre distante de qualquer intelectualidade, fez de sua imaginação prodigiosa uma aliada implacável, que dá a muitas de suas composições um teor criativo inapreensível por qualquer análise estruturalista grosseira, dessas que infelizmente primam em nossa crítica. “Yesterday” é um exemplo disso. A música, diz Paul, “parece ter vindo de um sonho, quando numa manhã saltei para o piano e a música parecia já ter sido feita há muito tempo”. As três primeiras notas de “Scrambled egg’”, (palavras com que ele cantarolava a melodia) e as três sílabas de “Yesterday”, formam um dos encontros mais fascinantes que eu conheço. A nostalgia artística pode ter outros nomes, expressões, mas em “Yesterday” contemplou a perfeição. “Eleanor Rigby”, “The Long and Winding road”, “Let it Be”, “Hey Jude”, “Hello Goodbye”, são de um refinamento, de uma sutileza estrutural, muito além das possibilidades analíticas até hoje demonstradas pelo estruturalismo. Chico, com aquele jeito direto de falar, tocou nesse ponto de modo visceral, e em palavras tão simples que passaram batidas: “o crítico critica a letra, agora a música, a música com a letra ele não critica”, disse numa de suas entrevistas. A percepção das estruturas mais fantásticas só é possível com a abertura de todos os sentidos, de todo o intelecto, de todo sentimento. A canção “Fixing a Hole” me fez pensar nas questões de mundo interior e exterior, Princípio de Prazer e Princípio de Realidade, delírio e lucidez, e tantos outros conflitos, numa intensidade que poucos ensaios filosóficos, ouso dizer, chegaram perto. E tudo está ali, entre as sílabas, as notas, entonações criadas com mais filosofia do que muito filósofo possa conceber.

A contracultura serviu a Paul, como a terrível ditadura militar a Chico. Ambos extremamente ligados a tudo o que acontecia na época, foram afetados de muitas maneiras, porém, o que de fato imortaliza esses trabalhos é a dimensão mitológica a que foram alçados pelos seus contextos políticos, econômicos, culturais. Com todos os ecos políticos ainda ouvidos em “Construção”, ela mais me parece hoje um dos Cantos do Inferno que Dante Alighieri não escreveu. “Apesar de Você” é, sem dúvida, um hino de resistência perene, por tratar da revolução eterna, de um ponto de mutação desde sempre inevitável. Os exemplos se estenderiam ad infinitum, e sempre na temática do tempo. Lembro de “Valsa Brasileira”, letra de Chico para música de Edu Lobo, onde novamente somos reportados a Borges, pela densidade, síntese e discrição metalingüística quase absoluta: ...e pela porta de trás/ da casa vazia/ eu ingressaria/ e te veria/ confusa por me ver/ chegando assim mil dias antes de te conhecer. E o poeta chega à sua musa, que é também a valsa brasileira, revisitada pelos versos do seu imenso dom de sonhar.

Na pré-adolescência, quando comecei a fazer música, tinha sonhos com os Beatles. Num deles, o quarteto aparecia de terninho numa arena de Tokyo, trocando palmadinhas e cantando “A Noite dos Mascarados” do Chico. Em japonês. Num outro sonho (este, recorrente) eu estava sempre numa loja labiríntica à procura de um disco dos Beatles que nunca existiu. Os elementos oníricos obviamente variavam bastante, mas sempre acabava por encontrar um LP, e na capa eu via os quatro numa praia. Começava por ouvir o mar, depois um som tipicamente beatle que ia se desdobrando em sonoridades próximas a sons que eu comporia anos depois. Sonhos com músicas novas misteriosamente ocultas dentro de um disco clássico onírico, talvez um arquétipo paralelo àquele de “O Imortal”, onde Borges passa a relatar um manuscrito escondido pelo protagonista no último tomo da Ilíada, de Pope. Sonhos, sonhos são… como diria o Chico. E para terminar relato um pequeno sonho musical, que originou uma versão da música. Ainda a estou fazendo. O sonho:

In Penny Lane there’s a barber showing photographs. Agora os vejo: Borges, Milton Nascimento, João Cabral, Gil, Shakespeare. Agora ele me mostra as fotos de toda cabeça que teve o prazer de conhecer: Magritte, Breton, Caymmi, Augusto de Campos, Caetano. Todos estiveram lá. E passaram na barbearia. Todos! E mantiveram segredo. O que haveria de tão inconfessável nessa rua musical da Infância? Agora os vejo: Ezra Pound, Drummond, Klimt, Pessoa. Um som. E olha lá, os ilustres fotografados saindo numa enorme banda. Com Pixinguinha, Webern, Cartola, Debussy, Chico. Dobram a curva e somem. Cantando coisas de amor.

(Mário Montaut)

DO LIVRO SOL

E a canção
do inexprimível
coração
da borboleta
soará
na primavera
se esta era
for um Sim

E Abra-te Livro E Abra-te Livro E Abra-te Livro Sol

(Mário Montaut)

DO LIVRO SOL

Canta São Thomé
Das Letras com que Einstein escreveu
o poema original
ópio de estrelas
em festa
numa cesta
de Natal

(Mário Montaut)

DO LIVRO SOL

No princípio
cai na Europa
a lágrima mescalina
e o presépio
se orvalha
em garoas africanas

(Mário Montaut)

DO LIVRO SOL

Deus não põe
na prateleira
o Livro Sol
que explodiu
a República
dos Sonhos
na ciência da amora

(Mário Montaut)