terça-feira, 26 de maio de 2009

OUÍ DEBUSSY

Ouí Debussy… escapuli, doido varri, chaminé ri, já me esqueci... Tente seguir Debussy... nas claras evidências do socialismo rico; na doce naturalidade de se chupar manga no pomar de um velho império... Ouí Debussy… e não apenas porque tenha jogado dados com Mallarmé, habitado a casa de Usher, versado aos largos assuntos de Pound e antevisto, na pura música, alguns Ouros de Breton… Ouí Debussy... o Progresso é lento, e a Descoberta da Beleza é bem devagarinha; impossível sem as mínimas distrações…

(Mário Montaut)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

IMORTALIDADE DO MUNDO

Demônios comestíveis nas estelares ondas do raio;
e as límpidas estrelas pingando gotas de choque
nos vitrais batendo correntes.
Elos virgens da folha à mata,
da onça à flor,
da seiva à boquinha da taturana
percorrendo um anjo estampado no mármore da gruta;
cavernas renascentistas e Leonardos caçadores;
com Giocondas embutidas em cada célula triste;
que às vezes gargalham telas de outras músicas;
impronunciáveis pelos instrumentos pintados nas cores sem moldura;
e artefatos dos demônios solares surfando em raios na onda noturna de rútilos brindáveis.
É toda uma cosmogonia íntima de coisas e seres tramados na infinita partilha de nossa fé pela imortalidade do mundo.

(Mário Montaut)

ESBALDAR

Eu me esbaldava de flores sobre o mar.
Despetalava em fios d´água doce na salina das ondas.
O balde de terra em pó caía no sol e lua.
E os peixes,
ciganos,
dromedários,
aborígenes de vênus na ilha,
riam de nós,
a lama das rosas
na doçura das deusas salgadas.

(Mário Montaut)

domingo, 17 de maio de 2009

2 VANGOGHIANAS A LA CHAGALL DE MÁRIO MONTAUT (TRECHOS)

Quase ave Girassol foge da tela, vai ao centro de São Paulo e come as mudas Afrodites no desluarar dos anjos que aguardentes destilaram na “Gargantinha do Sapo” esculpido no teto da Catedral da Sé, enquanto Van Gogh chora entre os mendigos da Liberdade do Japão, assustados com o girassol sobrevoando a janta, os telhados dos palacetes e o engradado de José e suas famílias nas COHABs adventistas...Quase ave Girassol foge da tela e Deus grita: “Peguem ela! Peguem ela!”...

Quando o sol brilhava sobre o jovem trigal que dava pães de fazer inveja aos árabes das noites 1.000 e 3, margaridas e beija-flores moravam conosco na casa de minha avó Lola, traída por uma Corva Aparecida em maldita tarde, e por meu avô padeiro, desesperado de ciúmes de seu despertador suíço que todas as manhãs a acordava na hora em que do forno saía o sábio pão do erotismo escravizado.

(Mário Montaut)

sábado, 16 de maio de 2009

“CÁSSIO GAVA- DOIS” (álbum lançado pela Dabliú Discos)

Cássio brinca e desconcerta. Demonstra num teorema lúdico a mágica de orquestrar as maiores e mais sutis influências, e em meio ao grande perigo permanece original como uma criança. Pois é! Invenção é coisa séria. A tradição é a via que nos humaniza, e quem a percorre construindo legítimos brinquedos musicais com as suas células sempre vivas, desmerece a crítica leviana e a palavra de honra acadêmica. Reinaugura um criador vital: o menino que brinca com tudo o que ouve. Cássio Gava: Ouvido Absoluto. E você também ouvirá do absoluto os sons bem comportados neste disquinho imorredouro, felicitando nossa passagem pelo reino da Música, de onde sério, ninguém escapa com vida. O entretenimento é puro. Quem vai?

(Mário Montaut)

ANA LEE (álbum independente)

Ana Lee é pura primavera, cheirando a Botticelli. Em parcerias com as Deusas manifestas nas ilustrações do encarte do disco e outras ainda em estados latentes, mas que não deixam de nos brindar com sutis eflúvios, Ana vai domando, com seu magnetismo personalíssimo, um repertório poderoso; subjugando-o docemente com toda aquela classe que parece ter assimilado do João Gilberto e do Caetano no que eles têm de melhor, a verve interpretativa e a aguda inteligência analítica musical. As canções se incorporam num estilo íntegro e calmo, que a gente ouve sem sustos, mas sem perder uma nota da passionalidade aqui exalada em altíssimos teores. Ana Lee, neta de avô Li chinês de Cantão, que a fez Lee, como a roqueira Rita. Paulistana, no que São Paulo comporta de mais mundo, Ana são muitas cidades, sonhos, varandas. Sonoridades acústicas e camerísticas. Raros instrumentos em música popular. Ana Lee: que instrumento! E os complexos resultados? Não, quanto a eles nem Freud, nem Chico, nem Ana explica. Um enxame de cupidos. E para as certeiras flechas do romântico veneno, não há cura. Assédios do Louco Amor.

(Mário Montaut)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

APARECIDA

Quando o sol brilhava sobre o jovem trigal que dava pães de fazer inveja aos árabes das noites 1.000 e 3, margaridas e beija-flores moravam conosco na casa de minha avó Lola, traída por uma Corva Aparecida em maldita tarde, e por meu avô padeiro, desesperado de ciúmes de seu despertador suíço que todas as manhãs a acordava na hora em que do forno saía o sábio pão do erotismo escravizado. Aparecida se enregelou na cruz de uma igrejinha da aldeia, mas numa tarde de verão, na hora da missa, meu avô teve uma visão e subiu à cruz da igreja, onde beijou a Corva na boca após ter despedaçado o gelo que a rodeava, e eis que Aparecida, muito viva, levou-o no bico para a Toca do Negro Amor, e lá eles se amavam na alegria marrom dessa paisagem, e durante sete meses Lola acreditava ter ficado viúva. Isso todos os fiéis viram, e os sinos da igrejinha destrambelharam-se e começaram a emitir notas que deram origem à abertura do Hino do Trigo Apodrecido e quando os corvos aparecem, todos se escondem em suas casinhas, temendo os raios amarelos pálidos que escapam do caixão do meu avô, onde vela Aparecida, em oração de enviar raios a casebres e mansões da aldeia, e as orações da Corva atraem as aves, filhas que ela teve com meu avô, e estas cantam o Hino causador de abortos e pecados nunca dantes imaginados. Meu pai, em horas de lazer, pintava quadros e contava histórias mais cruéis que essa para as criancinhas da aldeia, que não dormiam de perturbações nervosas, e elas riam tanto que ele irado saía para os trigais e sob sol ou sob chuva pintava o telhado igrejeiro onde Aparecida, a Corva Mãe , durante séculos e séculos se fez de morta para espiar os costumes dos cidadãos holandeses e da Casa da Moeda. Ela surgiu para meu pai em seu último momento de vida e cantou o Hino da Cruz Enganada. “O Horizonte Febril Cor de Cera na Hora dos Anjos Desnorteados”, um de seus quadros geniais, está estampado ao sul de cada nota e moeda holandesa que percorre o mercado cambial europeu e conta as tristes histórias do francês apocalíptico que compôs o Hino que devora uma família a cada café da manhã. Dizem que em tardes de céu amarelo-cinza, meu pai sai da tumba e berra ao mundo: “Não acreditem! Não acreditem! É culpa dos japoneses. A nação dos amarelos não tem o vigor desse trigal mesmo nesta época de decomposição vitamínica, eu sei, eu sei”, ele grita. “Creiam, eu li esse sonho escrito na cruz de pedra onde Aparecida ressuscitou. O Hino do Trigo Apodrecido está enlouquecendo os japoneses, que inventaram a mentira do frenético marasmo, o mar do asno que leva a carruagem da morte ao mar da civilização oriental, e esse é o outro lado da moeda holandesa, que eles amam. Temem o Hino de Corvos Viris mas não percebem as criancinhas febris aprisionando colibris em vídeo-clipes da Master&Johnson, que nunca pesquisou a origem do orgasmo de uma Corva Menstruada após a crucificação no gelo de uma cruz da invernada. “Não acreditem! A culpa é dos japoneses”, canta ele na cova de Aparecida, a Corva que ele jamais conseguiu retratar, e por esse crime ele agora se retrata.

(Mário Montaut)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

LEITE DERRAMADO POR CHICO BUARQUE

Leite derramado se toma do chão; com os lábios, línguas, ouvidos e olhos, molhados só de leite, derramado; em nutriente deleite. Já o cristal partido, não se junta os caquinhos, antes, mistura-se com boa pressão de punho e dedos; e a sangria na palma da mão também é vermelho deleite que extasia, e revela o antigo fractal em toda sua potência reflexiva. Até porque não falo no novo romance que me deram e ainda não principiei. E minha é a fruição de “Carioca” e de “Subúrbio”, as duas pequeninas jóias de Chico, cujo extravio atesta o óbito da alma brasileira. Não se iludam pelo mau-juízo que faço dos que não ouviram essas duas canções. Ouço-as por inteiro, e não indago o enigma que une frente e verso de um Rio musical; belo par de delicadezas perdidas. Pense o que entender, enquanto fico ali de quatro, sedento, sem pudores ou pedir licença; e o público vai às livrarias.

(Mário Montaut)

domingo, 3 de maio de 2009

Memory almost full, de Paul McCartney. Hear Music. 2007.

Todos nós temos o direito, e a necessidade, de lutar com o passado e seus secularismos, que também resistem ao presente, numa essencial atemporalidade. Memória quase cheia, é assim que Paul McCartney se posiciona no conflito dos 65 anos de existência com a insustentável leveza do ser globalizado. A idéia que permeia o CD seria insuportável, se Paul (nas comemorações dos 40 anos de Sgt. Pepper’s), não a tivesse diluído na estética jovial do rock, onde dançam as memórias e emoções. Quanto à autenticidade das poucas baladas… Aqui o rock continua sendo a marca dos velhos de hoje e dos jovens de ontem, e vice-versas. O velho contemporâneo, bem jovem, relativiza a juventude de ontem, tão velha (e contrários cabíveis). Adotando estilo sábio, Paul enfrenta as querelas pessoais, universalizando, aprofundando o chaos and creation, e se mantendo na crista da onda, tchaptchura. O resto é música, sensibilidade e imaginação em alta voltagem; poucos se queixam disso no fluxo da dança. Ácida crítica nas equações da bruxaria. Rock Around The Clock!!! Quem jovens? Quem velhos? Férteis são todas as horas.

(Mário Montaut)

JUNK (Paul McCartney)

Motor Cars, Handle Bars
Bicycles for Two
Broken Hearted Jubilee
Parachutes, Army Boots
Sleeping Bags for Two
Sentimental Jamboree
Buy Buy
Says the Sign in the Shop Window
Why Why
Says the Junk in the Yard
Candlesticks, Building Bricks
Some Old and New
Memories for You and Me
Buy Buy
Says the Sign in the Shop Window
Why Why
Says the Junk in the Yard

(Paul McCartney)

FRIA (para João Cabral de Melo Neto)

Frieza é pedra-pomes:
Fogo sólido;
O triunfo do vulcão.
Brinco,
Anel,
Colar.
A volúpia da Rainha da Neve.
Cristal,
Natal,
Cabral,
Um dia.
E a razão de João,
Que já gostava da coisa
Quando alguém lhe dizia
Que ela era...
Fria.

(Mário Montaut)

sábado, 2 de maio de 2009

O INGÊNUO (Jorge Luis Borges)

Cada aurora (nos dizem) maquina maravilhas
Capazes de torcer a mais firme fortuna;
Há pegadas humanas que mediram a lua
E a insônia devasta os anos e as milhas.
Espreitam no azul públicos pesadelos
Que entenebrecem o dia. Não há no orbe uma
Coisa que não seja outra, ou contrária, ou nenhuma.
A mim só inquietam os espantos singelos.
Assombra-me que a chave possa abrir uma porta,
Assombra-me que minha mão seja uma coisa certa,
Assombra-me que do grego a eleática seta
Instantânea não alcance a inalcançável meta,
Assombra-me que a espada cruel seja formosa,
E que a rosa tenha o perfume da rosa.

(Jorge Luis Borges)

FLOR DO MAL

É natural
No jazzíssimo irreal
No jazzíssimo irreal
Dar-te a flor do mal

É natural
No jazzíssimo ancestral
No jazzíssimo ancestral
Dar-te a flor do mal

É natural
No jazzíssimo infernal
No jazzíssimo infernal
Dar-te a flor do mal

(Mário Montaut)

DAS PRAIAS SELVAGENS

Os Navios nas Últimas
Sant’Altíssima” Mar’’’é
Selvagens Praíssimas
Mar Do Sol Poisé em Cios
os jobins nos amorinam
y a garota do Leblon
num coral
erra o tom
do Amor Louco y Seus Afins
2 São Jóvens cantam Ma’...
...r´´ondas, y ondas mais

(Mário Montaut)

O NOVO XAMANISMO (título da matéria publicada na revista Rolling Stone)

Não escrevo pelo ayahuasca. Mas pelas tórridas palavras que constituem a matéria. Tão elevada a temperatura do texto, que a paixão, o terror, o êxtase, despertam em nós com toda fúria. Nossa imaginação se descontrola, bem como nossos centros de gravidade se deslocam, e tudo ganha um sentido novo. Até os citados textos de Borges e Machado ganham inacreditável ampliação estética e vital. Sorvidos pela reportagem, temos, um bom tempo após a leitura, a capacidade de sintetizar e relativizar a experiência, também jornalística. Tenham ou não seus autores, consciência desse resultado, é o que ali se produz. Ainda em transe, agradeço pela aventura propiciada. Ela, creio, não é menos que tomar a planta. Esse trabalho dá mais jus ao nome da publicação. Mantenham o calor da conquista, nos teores possíveis, que no morno midiático atual, são raros os espaços para a partilha de tais vivências.

(Mário Montaut)

JUNHO, 1968 (Jorge Luis Borges)

Na tarde de ouro
ou numa serenidade cujo símbolo
poderia ser a tarde de ouro,
o homem dispõe os livros
nas prateleiras que aguardam
e sente o pergaminho, o couro, a tela
e o agrado que dão
a previsão de um hábito
e o estabelecimento de uma ordem.
Stevenson e outro escocês, Andrew Lang,
reatarão aqui, magicamente,
a lenta discussão que interromperam
os mares e a morte
e a Reyes não lhe desagradará decerto
a vizinhança de Virgílio.
(Ordenar bibliotecas é exercer,
de um modo silencioso e modesto,
a arte da crítica.)
O homem que está cego
sabe que já não poderá deslindar
os formosos volumes que manuseia
e que não lhe ajudarão a escrever
o livro que o justificará ante os outros,
mas na tarde que é casualmente de ouro
sorri perante o curioso destino
e sente essa felicidade peculiar
das velhas coisas amadas.

(Jorge Luis Borges)

Para uma versão do I Ching (Jorge Luis Borges)

Nosso futuro é tão irrevogável
Quanto o rígido ontem. Não há nada
Que não seja uma letra calada
Da eterna escritura indecifrável
Cujo livro é o tempo. Quem se demora
Longe de casa já voltou. A vida
É a senda futura e percorrida.
Nada nos diz adeus. Nada vai embora.
Não te rendas. A masmorra é escura,
A firme trama é de incessante ferro,
Porém em algum canto de teu encerro
Pode haver um descuido, a rachadura,
O caminho é fatal como a seta,
Mas Deus está à espreita entre a greta.

(Jorge Luis Borges)

Tradução de Josely Vianna Baptista