domingo, 18 de abril de 2010

Indústrias da paixão

Quando Chico Buarque compôs a canção “Carioca” não sabia o trabalho que estava me dando. Desde então vivo nessa música, mesmo que não me dê por isso.
Quando Jorge Luis Borges escreveu o poema “A Trama” nem desconfiava que graças a esses versos me garantia emprego infinito e um suor inusitado.
Quando o Flamengo fez aquele gol então...
Quanto labor.
Ação bem diversa da que Oscar Wilde dizia ser “o último recurso dos que não sabem sonhar”.
Nas indústrias da paixão os milagres querem nossa parceria.

(Mário Montaut)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Bach Nagô

E então ele me disse: “ Bach é o escândalo da provença. A proeminência da coroa e seus alteregos negros, não bem de carne, ou moscas, tão de leve semínimas da pauta. Bach é um bordão precioso. Privilegiada leitura musical de sagrados textos em quase solitude, não fossem ele, seus cabelos, seus dedos e as ávidas teclas silenciosas da igreja, prontas a virarem um inferno, a confusionarem o coral de anjos quase perversos; e morcegos mil arrombavam os vitrais só com o alarido de suas presenças. O reizinho negão contava de Bach Nagô e suas tutelas. As falanges de Orixás profusavam de gozo, e o sol relampeava na caldeira luterana ao lado do poço na areia do meio-dia. Bach é a conveniência católica e protestante a impedir o milagre das muitas vozes aguardando os tambores da tribo.

(Mário Montaut)

Chapéu

Um mínimo fiapo de palha indagado sugere o entorno vasto demais para ser abarcado por tuas idéias momentâneas. Canto a superioridade do teu chapéu.

(Mário Montaut)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Paraísos da linguagem

Ópio. Haxixe. Quem diria virarem linguagem transubstanciada na alquimia dessas plantas. Não nos enganemos quanto ao tipo ideal proposto para uma experiência imaginária com o haxixe nesses Paraísos Artificiais, pois sem dúvida é Baudelaire o experiente real que concentra as máximas canábicas em poesia. No gozo da ocultação faz o elogio da erva, e ao finalizar o Poema do Haxixe o anátema lançado a um maconheiro tão quimérico chega mesmo a ser gracioso.
Já Thomas De Quincey, torturado pelo ópio talvez tenha frustrado a continuidade de seus diálogos com Espinosa, abandonando a grande obra filosófica inspirada neste último, e que o justificaria ao tempo. Feitiços do Verbo, que o preferiu, quiçá, nas iluminadas páginas que deram a Baudelaire a ventura de nos infundir a lúcida essência de uma alucinante verdade. E que numes levaram o poeta a se encontrar tão integralmente nas linhas desse outro paraíso?
Mesmo que distante desses rituais o leitor viverá a potência da viagem sutilizada pela música do texto em seus íntimos mais secretos enquanto ingenuamente sonha ler um livro.

(Mário Montaut)