quarta-feira, 14 de outubro de 2009

BRUXARIAS POÉTICAS DE JOÃO CABRAL XAMÃ

Agulhas

Nas praias do Nordeste, tudo padece
com a ponta de finíssimas agulhas:
primeiro, com a das agulhas da luz
(ácidas para os olhos e a carne nua),
Fundidas nesse metal azulado e duro
Do céu dali, fundido em duralumínio,
E amoladas na pedra de um mar duro,
De brilho peixe também duro, de zinco.
Depois, com a ponta das agulhas do ar,
vaporizadas no alíseo do mar cítrico,
desinfetante, fumigando agulhas tais
que lavam a areia do lixo e do vivo.

(João Cabral de Melo Neto)

Ele não nega o arquétipo; antes promove, um renascimento arquetípico, por intermédio de uma linguagem também possível através de um contato íntimo com o Real. Não vai buscar o arquétipo no Inconsciente, nostálgica divindade que se expressa, no mais das vezes, por símbolos quase apagados de uma linguagem agonizante. Se ele se finge de metafórico é para tocar nas pontas do Real, e sabe, em amplidão, dureza e profundidade, que metáforas, metáforas civilizadas, são as nossas agulhas e punhais, perante as Realidades Cortantes que participam do mundo em essências de tamanha força, que não temos mesmo a menor chance de nos aproximarmos delas em demasia. Bruxarias Poéticas de João Cabral Xamã.

(Mário Montaut)