Mário Montaut

sábado, 31 de dezembro de 2011

Recanto

Cerebral o "Recanto" de Caetano e Gal? É o que diz certa crítica sentimental cientificista, que assim louva esse órgão para tão mais, ou menos, do que ele pode. O cérebro não é mesmo assexuado, evidenciam sonoridades, palavras, vozes de Gal por esse "Recanto", que num ápice de volúpia reflexiva defende e celebra selvagens constelações eróticas no céu do funk carioca. Pura Santidade.

(M.M.)

Miami Maculelê
(Caetano Veloso)

Mas por quê
Mas por quê
Por que eu fui meter você
No meu som
No meu bom

Miami Maculelê
Miami Maculelê
Miami Maculelê

São Dimas
Robin Hood
E o Anjo 45
Todos dançando comigo

(Era música de dance
Era o bonde do prazer
Sacanagem sem romance
Por que eu fui meter você?

Era dança de alegria
Putaria e coisa e tal
Por que você vem com santo,
Anjo e galera do mal?

Você encheu minha vida
De ternura e sentimento
Vou virar trabalhador
Vou deixar o movimento

E se alguém me perguntar
O que foi que aconteceu
Eu responderei então:
"Na verdade o malandro sou eu"

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

QUASE AVE GIRASSOL FOGE DA TELA, em 5 de agosto de 1991

QUASE AVE GIRASSOL FOGE DA TELA, em 5 de agosto de 1991

Quase ave Girassol foge da tela, vai ao centro de São Paulo e come as mudas Afrodites no desluarar dos anjos que aguardentes destilaram na “Gargantinha do Sapo” esculpido no teto da Catedral da Sé, enquanto Van Gogh chora entre os mendigos da Liberdade do Japão, assustados com o girassol sobrevoando a janta, os telhados dos palacetes e o engradado de José e suas famílias nas COHABs adventistas...Quase ave Girassol foge da tela e Deus grita: “Peguem ela! Peguem ela!”....A florzona da tempérie cai em minha mesa e eu rezo pra que o medo não devore o supremo prazer do sol , que em giros na pupila me aterrisa em outros medos...gira o sol no bife e na mente que, incrédula, lamenta o pobre garfo a campinar e colher as sementes das paisagens ,que o caipira vê nos olhos da Floráguia, pousada na estátua da Liberdade, tonta e cambaleante ao ouvi-la cantar sobre sua cabeça prestes a explodir...e os americanos gritam : “quantos dólares pagaste, hein, Van Gogh? Quantos dólares essa flor deu de propina a Deus para que em teu girassôneo sonhasses que o girassol fugia de tua tela favorita pra pousar nessa relíquia, pedra de fogo já extinto e que agora reacende?” Quem num momento desses se lembraria que uma flor pintada na aquarela de um doido artista, aproveitando-se de um sono inoportuno, se metamorfosearia em floráguia ou águiaflor e alçaria o vôo rumo à estrela americana que brilhava escondida na cabeça da estátua da Liberdade, alimentando e aquecendo o exército de proletários que, até então comandados por Hitler, Collor e Ezra Pound, tem agora um novo comandante: Van Gogh, o rico?...Esse exército fazia cerco à cabeça da Liberdade estatuada que explodiu de alegria ao ouvir o escaldante canto da Floráguia...e Deus berra: “Peguem ela!”, mas Deus morre de amor e agora ele é o defunto lá na cova do ex-Van Gogh, que está mais rico que Onassis, mais pobre que Hitler, mais alegre que o vento ao tragar as pétalas da floráguia que derrama a inteligência que faltava à NASA para completar a trágica estratégia do desarmamento para o Juízo Final... “quantos dólares pagaste? Quanto Deus deu em propina para ver essa ruína na cidade de New York?” E Van Gogh gargalhava ao ver que a multidão se dispersava ao ser atingida por cacos e pétalas entrelaçadas numa cópula cantante de versos delatores que amaldiçoavam a CIA... “VIVA! A flor explodiu, eu renasci e pus o Senhor lá na tumba! Deus lá ora e está faminto de um girassol corajoso...a música que a flor cantava lá na tela era a história desse dia, “O Dia da Verdade Americana”, ó imbecil exército de proletários imperialistas...Vós sois pobres não de dólar, mas são pobres de poesia, de tesão das mil mulheres que ressoam nas meninges dessa estátua que já queda sem cabeça...e a estrela que o girassol não come se enleva e se revela para vós, nova-iorquinos, no límpido céu do santo Manhattan , onde dormem os cacos poetas da cabeça pétrea da ex-estátua e as pétalas e penas da Floráguia que em minha tela era um pobre flor amarela que nem asas tinha...O Manhattan bebe a sabedoria que principia não neste século cretino mas em Arles esquecida e agora a estrela beija a boca da Floráguia que, apaixonadamente , canta a música que soava nos girassôneos de meus neurônios quando ainda idiotas e ignorantes de vossa hipocrisia, ó Beldades americanas de merda, que assustaram até os pés de um estátua sem cabeça que explodiu de alegria ao ouvir a melodia que meu girassol cantava quando, águia e flor, lembrava do meu riso infantil que, lá em meu leito de Arles, eu ouvi em sonho ateu...riso infantil que pôs Deus em coma e deu forças ao Girassol que fugia, pois sabia que deliciaria os pavores da carnificina americana com sua música que não cabia em minha tela adorada que a partir de agora não existe... já não há girassol, nem Deus, nem estátua da Liberdade...e os pedaços de pedra e pétalas se entrelaçaram e orgasmaram o hino delator que fez os comandantes da NASA perderem a razão e a CIA ficar cega de ilusão... Todos pensavam que meu girassol era uma águia...mas uma águia dessa cor..com tantos pólens?”... “OVNI! OVNI no céu de Nova York”, grita a NASA para os russos, que junto a eles prepararam toda a artilharia universal, mas os mísseis se recusavam a atacar o OVNI que os derretia ao descobrir suas primeiras intenções...
“PAI DAS NOSSAS AVES E MARIAS SALVEM AS RAINHAS DE JESUS NO CREDO E O MEDO DOS PÃES VENENOSOS QUE O GIRASSOL MULTIPLICOU E OBRIGOU CRISTO A COMÊ-LOS JUNTO AOS LEPROSOS DE ATLÂNTIDA, AMÉM! AMÉM!AMÉM! CORAGEM, DESUMANOS IRMÃOS ANDRÓIDES CHEIOS DE GRAÇA EM VOSSO VENTRE ABORTA O FRUTO QUE QUERIA A ALELUIA DOS BICOS DAS PENAS DE MATEUS QUE LÁ ESCREVIA O MILAQRE ECLIPSADO QUE OUVIA ONDE SE ESCONDIAM OS URUBUS ENFEITIÇADOS DE MEDO HUMANO EM SUA MAIS PURA COR PAI DOS ANJOS DE CADA DIA LIVRAI-NOS DA MORTE NA HORA DA VIRGEM DIZER AMÉM AO QUE ESTÁ NOS CÉUS E PUTIFICA OS NOMES DOS HERÓIS QUE NO REINO DE MANHATTAN FAZEM A VONTADE DA MORTE DA OBRA PRIMA NA GRAÇA DA VERDADE QUE A CABEÇA DE UMA ESTÁTUA ESCONDEU DAS ESCRITURAS QUANDO O SENHOR ERA CONVOSCO E NÃO NA COVA DO EX-VAN GOGH AGORA RICO DE CORAGEM E POESIA DO ALÉM...AMÉM!AMÉM!AMÉM! “...Assim rezavam os fiéis na Catedral de Nova York, misturando frases de pútridas orações com versos da nova tragédia da qual se afugentaram no templo que evapora de calor no amor de uma flor que se fez águia para ressuscitar verdades abençoadas pelo olhar da estrela no céu da metrópole enfim liberta...e morta de gentios...e VIVA! E VIVA! O Sol que girará amanhã cedo quando das águas do Manhattan sairão os Novos Filhos de uma civilização florida em desordem musical...E Além...E Além...E Além...

Que cara tinhas, Floráguia? Como conseguiste fugir da tela e como ouvias a risonha melodia da estrela sobre a cabeça da estátua da Liberdade que lá do alto enviava o brilho que alimentava e aquecia o exército dos proletários do espírito? E em que pensavas lá na tela, Floráguia? E como teus girassôneos se infiltravam pelos bilhões de neurônios loucos, que na cabeça do dormente Van Gogh sorridente brilhavam mais que todas as constelações do Além? Que culto ultra-católico professavam os fiéis do medo quando de ti se escondiam na Catedral e rezavam aquela louca oração? E porque os mísseis bacteriológicos atômicos neutrônicos adivinhavam que irias derretê-los ao captar suas primeiras vibrações homicidas? Como? Como? Que Papa rezou a missa? Quem era o chefe da máfia e da súcia das NASAs, das Rússias e seus KGBs naquela época? E que estrela era essa, que pousada na cabeça da estátua beijou a Floráguia e se retirou ao céu para ouvir o canto que detonaria a Floráguia e a cabeça da estátua que uniriam seus fragmentos em núpcias que contariam esses segredos? Serão esses os segredos ouvidos pela multidão que, bêbada de lucidez, se precipitou no Manhattan? E que fim levou a civilização dos robóticos japoneses? E quem é o Rei Van Gogh que impera a civilização do Não Medo? E quem é esse Deus que apodrece no sepulcro do ex-Van Gogh e já é devorado pelos corvos que escaparam de uma outra tela do ex-Van Gogh, que agora ri, pois os vê mudando de cor após o lauto manjar e ordena que jamais venham a este novo reino, pois mesmo não sendo mais corvos carregam no estômago a carne podre de um Deus assassino? E quem são e de que forma nascerão os futuros Van Goghinhos que amanhã quando a estrela que Van Gogh não pintou em sua noite estrelada ainda brilhar no céu feliz por ver o sol que aquecerá os corpinhos dos redentores de uma Civilização de Verdade Ouro? Confesso que durante o tumulto não escutei as verdades poéticas que foram lindamente cantadas...Assim, curioso e aflito espero que os novos gênios crianças saiam das águas do santo Manhattan, pois com certeza eles cantarão para mim o Hino da Civilização Desrobotizada...E além...E Além...E Além...

Os quais, os quems, os comos e todos as??? devem ser procuradas nas estrelinhas das entrelinhas do trem que Van Gogh pintou...Essa história se faz por si lúcida e louca e quando minha razão maculou a poesia com interrogações chifrudas, Van Gogh me mandou passear de trem...E Além...E Além... E Além...

(Mário Montaut)

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Chico, Caetano e Beatles na BRAVO!

1
Li a matéria de Inês Pedrosa sobre Chico, Caetano e Beatles na última BRAVO! Inês Pedrosa é jornalista, escritora e romancista. Desejo que pelo menos alguns de seus personagens estejam livres de certas idéias e comparações, senão, por maior que seja a crença de Inês no “amor”, todos transariam muito mal. Pela Virgem de Fátima, pela consistência estética e filosófica e por “ouvidos amorosos”!

2
Sim, os Beatles são amados pelos maiores nomes do nosso cancioneiro, a começar pelo próprio Caetano. Gilberto Gil dedicou seu “Luar” à memória de John Lennon. Chico, em parceria com Jobim, é dos poucos com música intitulada “Imagine”. Coincidência? Não deixa de ser uma homenagem. Mas alguns reagem a eles com um desconforto melhor denominado inveja. E a matéria de Inês Pedrosa na BRAVO! não é bem crítica, ensaio, declaração de amor ou mera polêmica. Pois é também a tentativa canhestra de racionalizar essa inveja.

(M.M.)

sábado, 24 de setembro de 2011

Presença do moinho

(para Chico Buarque de Hollanda)

exacerbação afetiva e caloeira dos anos, papagaios do tempo que se desdoura línguas, em pontos de areia não cultuados pela garça, e essa maestrina de borboletas em sua gravata cheia, dispersa no areal onde lentamente ela sapatisa, e a aura branca em seu formidável entorno, quimera dos capilares bravos, de seus doces queixos caídos, e marota, ela convoca dança, confunde limbos e glória das sapatilhas de puro cacto, espelhos de um reverdeio nocauteante espreguiçam-se ao longe das serras nas contramarés, mas ela flora e exibe um porte físico acondicionado a gracejos múltiplos, e ela gira pombos e leões pequenos, ursas famintas e bosques recônditos da areia, ela pesca com as mãos, ela caça com seus alambiques ocultos nas axilas e realejos de promontório. Sem desconhecer as matilhas, ela entesoura movimentos e instrumentálias súbitas da fome que nos acomete quando ela quer reflorar, não é logística, casuística de ginástica ou abordagem zen das pedras, e ela, combina reaquecimentos memoriais com equações náuticas de botes dos namorados e fantasmas de marinheiros, ela filma, e se descontrola às faíscas é para o nosso bem contemporâneo de viver às fartas, aos boleros, aos cardumes, às verduras, se ela faísca é por um mal menor das rosas, descobri-lhe mártir dos próprios joelhos uma horinha antes de se decidir a vir para cá, onde há cânones da mesa oriental refeitos em conchais, e ainda basbaqueando os rubores das divinas, num sopro é quando lhe adivinho as saídas e entradas parturientes do gestual, ela é canôra, rodopiando às lontras, e mestre de uma linhagem ainda ignota, convulsiona todo esse trêmulo geográfico que a quer, que dela necessita para uma redefinição das gafieiras mágicas.

sepúlveras festas do infinito; que num regurgito de balões me esplena, incita limites que não são meus, que arribam palavrórios velharcos, que num regurgito de balões me tocha e levita, e as pérolas do som na gravidade, são vacas mugindo aos balões do seu regurgito, sejam às tochas do egito, sejam ao ordenhar infinito, impondo limites aos olhos da vaca e sinais curiosos do espaço breu, que são vacas regurgitando o próprio leite do egito, entre pérolas do breu, e havia um mar a mugir ostras, havia um mar a mugir estrelas e rebanhos ciganos, enquanto balões sem acenderem as tochas deslizavam para obscuros véus, e haviam vacas ordenhando mares de mugidos a despertarem ostras e estrelas de um egito sem céu, enquanto a cigana relampeia esses gados e os incêndios vagam no espaço, de riso em riso para os rebanhos de moças postados na terra enquanto grãos de ouriços e divinas avermelhadas mancham o rincão das “tempestuosas”, rindo à miúda soltas que nem um balão das festas infinitas, onde o céu reabre leites e mares, fogueiras e um precipício de divas escandalosas, soltas à deriva dos risos balões, quebrando mais que ondas na pirâmide seca da única menina que dorme.

...czares de fonte e apetrechos do eco, polpudos chapelões e avarandados ponteando a viga dos quebra-rios, e radares pontudos imantando ossos; ventríloquos presbíteros e rainha que inerva os alçapões de um ducado em névoa, os quentões servidos ao gelo das plantas, um desserviço aos jardins bem-arrumadinhos e gratinados à alma dos polvos tubérculos, apreciadíssimos nestas gramas de jovens pernas; e no recanto dançarino o aquário orgulha-se dos vastos mares que contemplou pelo olho do vigia, e os limões, a fogueira realizada nestes verdes tenros de graça, todos abandonam a crença edênica de haver um só tipo de jardim ou clima no planeta, deste hemisfério ao lado do muro, resplandem as contradições da festa, sem equações, lupanares, mares resolutos a causar estragos além do escândalo natural dos risos, é bem possível que a seresta tenha nascido de um pinho breve como este.


...enquanto um talismã de Nereu rebusca a bússola caída; ela não imagina mais nada, coitada, acerca das direções, não esta mão farpada de pelos agudos, que se adianta aos tijolos da moradia, que reouve e redescobre o relampiar aflitivo da bússola em tombo, ainda, sem sonhos direcionados ao sul, e alvéolos assustadiços tremem pela súbita empreitada dos ares, maremotos incrédulos descansam ainda da mão peluda envolvendo a bússola ferida e os tijolos da mansarda reconhecem as espreitas do arvoredo silente, tudo acompanha a respiração da bússola já nas mãos inquietas, eriçando o pelo dos mares, enquanto o ponteiro ereto, mesmo na queda, inaugura ângulos de viagem; a perniciosa noite se calou, aprofundando a aurora que deflora as primeiras pontes.

não sói adamar-se nos frascos e perscrutar lavandas.

O persuasivo jacaré pergunta-se dos aromas, o dissuasivo candelabro questiona-se, os ruiseñores alardeiam o olor dos vidros, a cabotina alma se envidraça próxima à jaula dos perfumes, mas a eleita apenas se banha e ignora tal recipiente.


cinco dedos latejavam ideologias, calçados em couro; a outra raiz desnuda; e a moça desfolhava-me alheia aos livros que edificam os equívocos do bosque;;;


É mister louvar o erro crítico, errar nas louvações do hábito, e escutar, escutar silente, os tempos que atravesso o álbun quão gérmine-flor indispensável do nervão peixuno, barítono de membrana acesa, diapasona, talvez, mas errantes eras atravessaram a poética desacordada em musicalidade morta de paisagens, conquanto inaugure em vasos de hipoderme a versão de seus caprichos a ocultarem a capital daquele espaço, portanto, ouvindo o marco epistemológico de épocas e épocas acolhidas entre as perdidas deste disco, violarem a sujo e a limpo disporem as memórias deste disco, mediante cruzadas de anos e anos carregados, pólens suburbanos, ora marítimos ateiam ventos e entre uma a uma audição e outra estas cínicas novenas, de cor tranquilamente mutável sobre o cd Chico.


aí ele tocou no irrouxinol do vácuo, e a pia abisma-se em alaridos; as asas pensam que se se alhumbra, desconcerta ou cicia-se a razão do coreto, o desentupimento do ralo flora a cândidas silvestres, o que logo a preguiça própria da labuta aparafusa no retro-visor da página; pupila amuada da periquita, em lama e latim se entorpecem as noções de grandeza, e mão no ralo, e alpiste, castanhas e precipícios, ali uirapurus dão conta do ramalhete sobre o funeral dos livros, e ainda que se perpetue a coincidência, a maciez, extravisiva, a olheira, ainda que se desplante o território dos ossos livres de cadeira, ainda assim o racional perene se envaidece desses louros inextinguíveis; reumatismos, crematórios e lanchas, e o gesto para além da toalha toca instrumento inaudível ainda, entre, per plantas, e intumesce o gelo do desarazoamento, conquanto lago, fóssil divino e lepra amiga que arguta, fabula mãos de alma pra outro trabalho; talhe inconsiderado por essas; e quem diria as sempre torneiras e o jovem cano, o buraco flértil, a rombuda lava do nagual sereno, preenchendo-se anti-tochas, contra-musgos de erupção e réptil fuzuê, à máquinas lampadifárias na antevoz da voz mesma, que ilumina a fala que descongestiona o aperitivo, ronrona-se um privilégio de atribuir, voz clara e madura parte-se na entrefruta que está para se comer.




que o moinho não esmague maravilhas, o vidro corta essa madeira; cuidado mó! cuidado pá! que a cruz girorbita feito hélice de borboleta perto ao radar, e acende-se helênico, o moinho que não moe graças, que não se arrisca no espírito que vaga entre a moagem, brilhante, espirituoso, e a maravilha das almas corta tal vidro a cruz da moagem, e o moinho segue breve, mas que não moa, que não pese a maravilha destas plantas através da aventura; plantas de rio, e já oceânicas, que o moinho não se entesoure destas raízes ou folhas, e que as flores da ilha não passem, por promessas de fé, a ilha que a tudo corresponde em reflexos. Que o moinho prossiga, e que o persiga a rosa de longo alcance, fincada no ilhéu, e que o cristal maravilhoso não requebre perante a cruz que moe, sossegada, tranqüila, e que veloz prossiga o milagre, que não se opere por grãos-de-vento; que não se quimere mesmo se lindo for o moinho e seus princípios, o moinho e suas leis, o moinho e suas naturezas, a fé, vitrala numa igreja sem paredes, nem ruína ou vidro, matéria que se suponha, que a fé redoura-se de peixes e cósmicas inalações do fogo, e por familiar que seja há de insurgir-se contra, o moído, o moível, e o que também a alimenta pela boca dos olhos de uma Madonna sangrando em seriedades de espelho, após a elétrica nuvem desespelhar o impensável belo, e que transfigure-se, Madonna, no cacto de seu riso salvante, picante, escaldador, e pelos seus olhos bem labiados como tudo que se assenta na paisagem; a fé, na digestão das sestas, na injeção das horas, e a tela dum velho mestre não a corrompa, Madonna, nem por um cílio, nem por pincel, nem por encanto sohrrível, qual cascavel generosa, e que seja assim mimada em cores de rosa-tufão, e a ilha nela, a mó, a contramoagem, a fina maré, a anticruz do silêncio: Fé, assim Madonna dorme.


e ao puxar um fole luminoso, soando arco-íris e passaredos visíveis feito um mar tão verdes, quando na torre pia, faz larônte, e lendas bretãs, alaridos de procissão no desmame da facúndia, bússolas despertas num idílio do xote, e as derradeiras sombras de feira, as velas sustenitas, as barcas, e as conversações animadas do altíssimo terraço, libações a outroras de véspera caçada sem fera ou arma, tudo isso num puxe e repuxe de fole, o inspirado fôlego do moço a tocar um instrumento contra os efeitos de verbete: sanfona; a crédulo tal se Gonzaga zarolho circunscrito fora ao sertão, à graúna, qual não fosse ele, e seu acordeon, também esta Inglaterra perfumeira e ressanfonada.


Chico, em sua obra recente ative-me ao ouro de dura extração: Carioca, Sonhos sonhos são, A ostra e o vento, Subúrbio, Nina...Querido diário que te quero pra anotar sempre em Buarque a presença do moinho, a presença do moinho que desde Holanda, Chico, deifico, e me justifico em tais canções do sabre, em tais canções da esgrima fina dos sonhos doravante ouro intraduzível, na contraflora desta cultura pútrida e serena. 6 canções. Fixo-me quixotescamente obsedado pela presença do moinho nas misteriosas cidades, flagrante místico de geografias insondáveis, inapreensíveis mesmo, pela ciência desta era. Metafísica insofismável. E os humores do oráculo. Os rasgos na máscara pública. As contenções de cidadania. As funções de espelho e candelabro. Os becos lúcidos que jamais evitariam suas notas sombrias. Recomponho o fractal sozinho. Num querido diário o moinho esmaga a universalidade vã de uma sociedade atroz e blasé. Expande-se o cósmico pessoal nuns poucos cantos de eternidade.


Volhútas que esguiachavam brancas no bom suor do meu sorriso. Tempero-vos com todos os outonos molhados. Y ramos chibatem meus finados dias sy esta têmpora feliz de risos dentes não louvar a quêntura neve do eterno domingo.

(Mário Montaut)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Nina

Chico poderia mesmo ir a Moscou. E quem sabe não foi? Mas após ter lúcida e alucinadamente descoberto essa mais fecunda, acolhedora criatura, ele quer é usufruir de sua real presença. Exagera tristezas. Falta muito ainda para defini-la. De início eu apenas ia seguindo a trama daquela melodia, daqueles olhos, daquele piano, daquela pele, daquela letra, daquela Rússia... E eis que num rompante Nina para mim se revela tão mais que em cores de olho ou tez, canção, paisagens de google earth. Hoje a ouvi-la meu ciúme é bem menor. Nesse disco Chico canta para Aurora, Glorinha, Aurélia, e outras. Não me iludo. Na presença de Nina sinto que só ela é real.

(Mário Montaut)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

“Sem você 2”: silêncio

Uma coisa é ouvir música. Outra é ouvir a intensa vaia de uma platéia enraivecida diante do piano fechado de John Cage querendo demonstrar a importância de uns poucos minutos de silêncio. Em “Sem você 2”, do álbum “Chico”, é silêncio que se ouve. Chico Buarque é silencioso. Não só em silêncios de pausa. Silêncio mesmo; real, encarnado. Da carne do silêncio sei que existe e habita essa canção. Não é a tristeza dela o que mais me toca, mas o silêncio que a faz possível. Para “tornar o pensamento visível”, René Magritte elide dos seus temas os elementos excessivos, buscando evocar um “silêncio mental” em quem contempla suas telas. A solidão de Chico ouvindo “uma nuvem a vagar no céu”, ou “uma lágrima a cair no chão” são imagens de Magritte. Silêncio. E no conjunto dessas imagens ouço o músico num domingo olhando o mar e as ondas. Chico. Magritte. Telas mais que visões; canções do silêncio. Algumas cantadas e pintadas por ambos, num silêncio de parcerias inevitáveis.


(Mário Montaut)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

“Se eu soubesse”, do cd “Chico”

Ouvindo “Se eu soubesse”, de Chico Buarque, na voz de Chico e Thais Gulin, fico imaginando como Chico consegue ser tão igual, tão simples e perfeitamente igual à uma ida à praia, a um banho de chuva ou de mar, a um namoro, à uma briga amorosa, à uma conversa de bar, à uma trova antiga, a um gingado de saia, à uma donzela dormindo nua, à uma cabeça na lua, igual a tudo o que na vida vale a pena. Como é que Chico pode ser tão maravilhosamente igual e soar com tamanho frescor, medieval, atual; e para isso não conheço ainda nenhum estudo, nenhuma crítica, senão as dicas de Jorge Luis Borges em seu conto “A Memória
De Shakespeare”, onde ele nos faz saber de uma sociedade universal secreta de indivíduos que recebem e doam a memória de Shakespeare (sic!), a qual passa a irromper nos modos mais imprevisíveis. Chico, com certeza, é membro dessa comunidade, e possuindo a memória de Shakespeare tenta sempre retransmiti-la. Pode ser que haja alguma técnica envolvida nessa magia, e talvez ela nos tenha sido sugerida também por Borges, num outro conto intitulado “Pierre Menard, Autor do Quixote”, onde entre outras coisas, Jorge nos fala com humor e afeto das minúcias pertinentes a questões autorais. Mas o que Chico nos revela nessa canção é que tais fenômenos e técnicas correlativas só existem para quem atua nos domínios do amor.

(Mário Montaut)