terça-feira, 9 de agosto de 2011

“Se eu soubesse”, do cd “Chico”

Ouvindo “Se eu soubesse”, de Chico Buarque, na voz de Chico e Thais Gulin, fico imaginando como Chico consegue ser tão igual, tão simples e perfeitamente igual à uma ida à praia, a um banho de chuva ou de mar, a um namoro, à uma briga amorosa, à uma conversa de bar, à uma trova antiga, a um gingado de saia, à uma donzela dormindo nua, à uma cabeça na lua, igual a tudo o que na vida vale a pena. Como é que Chico pode ser tão maravilhosamente igual e soar com tamanho frescor, medieval, atual; e para isso não conheço ainda nenhum estudo, nenhuma crítica, senão as dicas de Jorge Luis Borges em seu conto “A Memória
De Shakespeare”, onde ele nos faz saber de uma sociedade universal secreta de indivíduos que recebem e doam a memória de Shakespeare (sic!), a qual passa a irromper nos modos mais imprevisíveis. Chico, com certeza, é membro dessa comunidade, e possuindo a memória de Shakespeare tenta sempre retransmiti-la. Pode ser que haja alguma técnica envolvida nessa magia, e talvez ela nos tenha sido sugerida também por Borges, num outro conto intitulado “Pierre Menard, Autor do Quixote”, onde entre outras coisas, Jorge nos fala com humor e afeto das minúcias pertinentes a questões autorais. Mas o que Chico nos revela nessa canção é que tais fenômenos e técnicas correlativas só existem para quem atua nos domínios do amor.

(Mário Montaut)