quarta-feira, 13 de maio de 2009

APARECIDA

Quando o sol brilhava sobre o jovem trigal que dava pães de fazer inveja aos árabes das noites 1.000 e 3, margaridas e beija-flores moravam conosco na casa de minha avó Lola, traída por uma Corva Aparecida em maldita tarde, e por meu avô padeiro, desesperado de ciúmes de seu despertador suíço que todas as manhãs a acordava na hora em que do forno saía o sábio pão do erotismo escravizado. Aparecida se enregelou na cruz de uma igrejinha da aldeia, mas numa tarde de verão, na hora da missa, meu avô teve uma visão e subiu à cruz da igreja, onde beijou a Corva na boca após ter despedaçado o gelo que a rodeava, e eis que Aparecida, muito viva, levou-o no bico para a Toca do Negro Amor, e lá eles se amavam na alegria marrom dessa paisagem, e durante sete meses Lola acreditava ter ficado viúva. Isso todos os fiéis viram, e os sinos da igrejinha destrambelharam-se e começaram a emitir notas que deram origem à abertura do Hino do Trigo Apodrecido e quando os corvos aparecem, todos se escondem em suas casinhas, temendo os raios amarelos pálidos que escapam do caixão do meu avô, onde vela Aparecida, em oração de enviar raios a casebres e mansões da aldeia, e as orações da Corva atraem as aves, filhas que ela teve com meu avô, e estas cantam o Hino causador de abortos e pecados nunca dantes imaginados. Meu pai, em horas de lazer, pintava quadros e contava histórias mais cruéis que essa para as criancinhas da aldeia, que não dormiam de perturbações nervosas, e elas riam tanto que ele irado saía para os trigais e sob sol ou sob chuva pintava o telhado igrejeiro onde Aparecida, a Corva Mãe , durante séculos e séculos se fez de morta para espiar os costumes dos cidadãos holandeses e da Casa da Moeda. Ela surgiu para meu pai em seu último momento de vida e cantou o Hino da Cruz Enganada. “O Horizonte Febril Cor de Cera na Hora dos Anjos Desnorteados”, um de seus quadros geniais, está estampado ao sul de cada nota e moeda holandesa que percorre o mercado cambial europeu e conta as tristes histórias do francês apocalíptico que compôs o Hino que devora uma família a cada café da manhã. Dizem que em tardes de céu amarelo-cinza, meu pai sai da tumba e berra ao mundo: “Não acreditem! Não acreditem! É culpa dos japoneses. A nação dos amarelos não tem o vigor desse trigal mesmo nesta época de decomposição vitamínica, eu sei, eu sei”, ele grita. “Creiam, eu li esse sonho escrito na cruz de pedra onde Aparecida ressuscitou. O Hino do Trigo Apodrecido está enlouquecendo os japoneses, que inventaram a mentira do frenético marasmo, o mar do asno que leva a carruagem da morte ao mar da civilização oriental, e esse é o outro lado da moeda holandesa, que eles amam. Temem o Hino de Corvos Viris mas não percebem as criancinhas febris aprisionando colibris em vídeo-clipes da Master&Johnson, que nunca pesquisou a origem do orgasmo de uma Corva Menstruada após a crucificação no gelo de uma cruz da invernada. “Não acreditem! A culpa é dos japoneses”, canta ele na cova de Aparecida, a Corva que ele jamais conseguiu retratar, e por esse crime ele agora se retrata.

(Mário Montaut)