sábado, 2 de maio de 2009

O INGÊNUO (Jorge Luis Borges)

Cada aurora (nos dizem) maquina maravilhas
Capazes de torcer a mais firme fortuna;
Há pegadas humanas que mediram a lua
E a insônia devasta os anos e as milhas.
Espreitam no azul públicos pesadelos
Que entenebrecem o dia. Não há no orbe uma
Coisa que não seja outra, ou contrária, ou nenhuma.
A mim só inquietam os espantos singelos.
Assombra-me que a chave possa abrir uma porta,
Assombra-me que minha mão seja uma coisa certa,
Assombra-me que do grego a eleática seta
Instantânea não alcance a inalcançável meta,
Assombra-me que a espada cruel seja formosa,
E que a rosa tenha o perfume da rosa.

(Jorge Luis Borges)