sábado, 2 de maio de 2009

JUNHO, 1968 (Jorge Luis Borges)

Na tarde de ouro
ou numa serenidade cujo símbolo
poderia ser a tarde de ouro,
o homem dispõe os livros
nas prateleiras que aguardam
e sente o pergaminho, o couro, a tela
e o agrado que dão
a previsão de um hábito
e o estabelecimento de uma ordem.
Stevenson e outro escocês, Andrew Lang,
reatarão aqui, magicamente,
a lenta discussão que interromperam
os mares e a morte
e a Reyes não lhe desagradará decerto
a vizinhança de Virgílio.
(Ordenar bibliotecas é exercer,
de um modo silencioso e modesto,
a arte da crítica.)
O homem que está cego
sabe que já não poderá deslindar
os formosos volumes que manuseia
e que não lhe ajudarão a escrever
o livro que o justificará ante os outros,
mas na tarde que é casualmente de ouro
sorri perante o curioso destino
e sente essa felicidade peculiar
das velhas coisas amadas.

(Jorge Luis Borges)