quinta-feira, 23 de abril de 2009

Beatles e Raul: Sonhando Espertamente o Inconcluível

Beatles e Raul: Sonhando Espertamente o Inconcluível

E pelo jeito, mal tinha saído o “Sgt. Pepper’s” quando Raul (ainda “Raulzito e seus Panteras”) fez uma versão de “Lucy in the Sky with Diamonds”, que gravou em um LP de 1967...A letra dos Beatles é esta:

Lucy in the Sky with Diamonds
(Lennon e McCartney)

Picture yourself in a boat on a river,
With tangerine trees and marmalade skies
Somebody calls you, you answer quite slowly,
A girl with kaleidoscope eyes.
Cellophane flowers of yellow and green,
Towering over your head.
Look for the girl with the sun in her eyes,
And she’s gone.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Follow her down to a bridge by a fountain
Where rocking horse people eat marshmellow pies,
Everyone smiles as you drift past the flowers,
That grow so incredibly high.
Newspaper taxis appear on the shore, waiting to take you away.
Climb in the back with your head in the clouds,
And you’re gone.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Lucy in the Sky with Diamonds.
Picture yourself on a train in a station,
With plasticine porters with looking glass ties,
Suddenly someone is there at the turnstyle,
The girl with the Kaleidoscope eyes.

O caos hipercriativo da contracultura nas cabeças de John e Paul: Infância, árvores de tangerina, céus de marmelada, LSD, uma garota com olhos de caleidoscópio, táxis de jornal, flores de celofane, um provável desenho de Julian Lennon, aos cinco aninhos, com o mesmo título da obra, fontes, pontes, Lewis Carroll...Raul canta diferente:

Você Ainda Pode Sonhar
(Raul Seixas-Lennon-McCartney)

Pense num dia com gosto de infância
Sem muita importância procure lembrar
Você por certo vai sentir saudades
Fechando os olhos verá
Doces meninas dançando ao luar
Outras canções de amor
Mil violinos e um cheiro de flores no ar

Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar

Feche seus olhos bem profundamente
Não queira acordar procure dormir
Faça uma força você não está velho demais
Pra voltar a sorrir
Passe voando por cima do mar
Para a ilha rever
Vá saltitando sorrindo a todos que vê

Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar
Você ainda pode sonhar

Bela sacada do Seixas. Ele apenas tenta nos abrir os canais do Sonho. Convida-nos à Infância; esse tempo, esse lugar. Imagens, imagens mesmo, só as meninas dançando ao luar, os mil violinos, um vôo por cima do mar, uma ilha a rever. O resto é convite. Que cada um faça a sua viagem e veja, ouça, o que puder. Sugestão Libertária.

Já nos versos de John e Paul, mais de John, parece (e curioso, isso), as imagens universais, arquetípicas, lisérgicas, não deixam de se constituir, pela excelência das intenções, numa poética totalitária. A universalidade imagética vira despotismo num sonho onde você já não pode sonhar. Sonham os Beatles. Você se deleita acompanhando os viajantes.

Agora fico pensando. Na levada musical beatle, a tirania de tantas imagens impostas me liberta pelo delicioso matrimônio daquelas palavrinhas caindo tão bem na música. Felizmente subjugado, prefiro ouvir os Beatles em pura contemplação, e por algum mistério, talvez, não consiga viver intensamente aquela proposta de liberdade um pouquinho flácida do Raul. Talvez. Mas a encompridar adentraríamos questões infinitamente sem resposta. Prefiro espiar Borges e Pessoa debruçados na canção, sonhando espertamente o inconcluível.

(Mário Montaut)