JEAN MILLÔR RIMBAUD FERNANDES
Embora sem causar nenhum grande “estrago no jardim da beleza”, parece que Millôr Fernandes, tal o Príncipe do “Conto” de Rimbaud, também deu milhares de trepadas. Reza a lenda que certa vez Tom Jobim lhe disse: “Cada canção que eu fiz, Millôr, foi uma garota que eu não comi”. E não menos queixoso(rs), Millôr teria lhe respondido: “Puxa Tom, e cada garota que eu comi foi uma canção que eu não fiz”(rsrs). Para além destas eróticas coincidências, tudo leva a crer que Millôr também se encontrou com o Gênio deste “Conto”, e por caminhos vertiginosamente opostos, tirou conclusão semelhante, formulada de modo lapidar.
CONTO
Um Príncipe se envergonhava porque sempre se dedicava apenas à perfeição das generosidades vulgares. Ele previa espantosas revoluções do amor, e suspeitava suas mulheres de serem capazes de algo melhor que uma tolerância ornada de céu e de luxo. Queria ver a verdade, a hora do desejo e da satisfação essenciais. Fosse isto ou não uma aberração de piedade, ele o quis. Pelo menos, possuía um poder humano bastante largo.
Todas as mulheres que o tinham conhecido foram assassinadas. Que estrago no jardim da beleza! Debaixo do sabre, elas o abençoaram. Ele não encomendou novas mulheres. – As mulheres reapareceram.
Matou todos aqueles que o seguiam, após a caça ou as libações. – Todos o seguiam.
Divertiu-se estrangulando os animais de luxo. Mandou incendiar os palácios. Arremessava-se contra as pessoas e as esquartejava. – A multidão, os telhados de ouro, os belos animais existiam ainda.
Pode alguém extasiar-se na destruição, rejuvenescer-se pela crueldade! O povo não murmurou. Ninguém ofereceu o concurso de suas vistas.
Uma noite, ele galopava orgulhosamente. Um Gênio apareceu, de uma beleza inefável, inconfessável mesmo. De sua fisionomia e de seu aspecto sobressaíam a promessa de um amor múltiplo e complexo! de uma felicidade indizível, insuportável mesmo! O Príncipe e o Gênio se aniquilaram provavelmente na saúde essencial. Porque não morreriam eles disto? Juntos, então, eles morreram.
Mas esse Príncipe faleceu, em seu palácio, numa idade comum. O Príncipe era o Gênio. O Gênio era o Príncipe.
Falta ao nosso desejo a música erudita.
(Jean-Arthur Rimbaud)
“A sabedoria, se é que ela existe, serve quando muito para que a gente adivinhe qual vai ser a nossa próxima bobagem.”
(Millôr Fernandes)
(Mário Montaut)