domingo, 26 de abril de 2009

TCHAIKOVSKY

O coração tem razões que a própria razão desconhece, dizia Vinícius, citando Pascal. Curioso Tchaikovsky, o mais intenso coração musical, para tantos, virar sinônimo de música fácil, de música piegas, de música velha. Pierre Boulez, numa entrevista recente, descartou Tchaikovsky de vez: “O velho ainda tolero. Tchaikovsky é patético, velho demais”. E a gente, se ilude, dizendo, já não há mais coração. Foi o que ouvi Alceu Valença e Jackson do Pandeiro lhe responderem. O coração é mesmo velho, complexo, e de sua natureza é criar enormes confusões. Tchaikovsky é exemplo eloqüente. Concertos, sinfonias, balés desequilibrados, mas com que clarões de beleza. Algumas das mais indeléveis melodias que a Música conhece, infelizmente, não são para essas delicadezas que não suportam a crueza emocional, nervosa mãe de toda arte, e que, impotentes diante da Beleza (“Terrível”, diria Rilke), se apressam em detonar a forma de certas composições, quase insustentáveis pela própria densidade e excessivo brilho de seus elementos. Tchaikovsky não cabe mesmo em si, mas com muito prazer o mundo o acolhe. Pessoas simples continuarão ensinando Tchaikovsky a Otto Maria Carpeaux, pela eternidade. E eis que bem-vindos chegam a esta conversa, os versos de Eliot: “A tremenda ousadia de um momento de entrega… Que um século de prudência jamais revogará”.

(Mário Montaut)