domingo, 19 de abril de 2009

CONVERSA COM MÁRIO MONTAUT

Para quem não sabe, Maria Estela Guedes é poeta, ensaísta, crítica de arte, conferencista, e com seus infinitos talentos, dirige em Portugal o site TriploV, uma das maiores realizações culturais que conheço. Ontem estivemos a conversar sobre Herberto Helder. Eis a conversa, com beijos do Mário a todos.

Maria Estela Guedes - Mário, explica-me como descobriste o poeta Herberto Helder, aí na grande ebulição de São Paulo. Estão muitos livros dele publicados no Brasil, ele é conhecido na tua roda de artistas?

Mário Montaut - Ouvi aquele nome: Herberto Helder. Nome que muito me agradou, suscitando vigor e doçura. Neste exato momento revivo tais signos, e a revivência confirma as primeiras impressões. Lembro de Rimbaud, de André Breton. "Uma Temporada No Inferno & Iluminações" e "Arcano 17" se encontraram comigo muito antes de eu começar a lê-los. Magnetismo Puro. Conhecia alguns textos de Herberto Helder, mas para o mergulho real em sua poesia foi decisivo o evento realizado em agosto de 2005 em São Paulo, com suas preciosas reflexões e a inspiradíssima declamação de Cláudio Willer. Tudo isso se deu pouco antes do lançamento de "Ou O Poema Contínuo", pela editora "A Girafa". Desejo que esse músico poeta venha a ser melhor conhecido entre os artistas de São Paulo.

MEG - O que te agrada nele?

Mário Montaut - O rigor, a inspiração, a violência, a delicadeza, o ímpeto de tantos pensamentos só concebíveis e realizáveis em Grande Música.

MEG - És compositor, cantor e poeta. Os teus CDs, publicados aí no Brasil, encantam-me, porque justamente fazes uma música encantatória, às vezes doce como o mel, que por isso não deixa de ter relações com Herberto Helder. Outras similaridades existem, por exemplo na tendência para a constante subversão. De onde vos vem a inspiração? Daquilo que vos incomoda, no sistema social, externo, ou de dentro, das vossas próprias paixões?

MM - Estela, suas palavras me contentam e me remetem ao lúdico, acertando em cheio. Com tudo o que vivo, eu gosto é de brincar, de "fazer arte", essa coisa de moleque. Então, acho que sou muito mais "arteiro" que artista(rs). O imprescindível mesmo, para mim, é continuar "fazendo arte", e arcar com todas as consequências dessa arte irrefreável.

MEG - A poesia de HH é dominada pelo canto, pela música, ele fala muito do sopro, põe o canto acima de tudo na sua escala de importâncias. Ele chega a dizer que morreria pela música, no poema que te deixo para exemplo. Qual é a natureza dessa música? Estamos a falar de versos, com ou sem métrica, ou de assunto totalmente diverso? Achas o poema facilmente musicável? Tu, que és músico, diz-me que música é essa de que fala Herberto Helder.

Ninguém tem mais peso que o seu canto.
A lua agarra-o pela raiz, arranca-o.
Deixa um grito que embriaga, deixa sangue na boca.
Que seja a demonia: - a arte mais forte de morrer pela música,
pela memória.

MM- "Palavra, não de fazer literatura, palavra, mas de habitar, fundo, o coração do pensamento, palavra". Esses versos da canção "Uma Palavra", de Chico Buarque De Holanda, nos perguntam: E poderia o pensamento de Herberto Helder não cantar? Obrigado pelo poema, Estela, e por ora só posso lhe dizer que ele é música plena. Beijos do Mário.